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Cerâmica tapajônica, séculos XIV-XVI. |
Houve uma tribo nos confins do
Araguaia para a qual a escuta era algo sagrado. Como os indivíduos não gostavam
de falar, recorriam a um estranho nomadismo a fim de ouvir o mundo.
Deslocavam-se incessantemente pelos rios, avançavam em territórios hostis e
canibalizavam idiomas, não sem antes ouvir, em cerimônia que durava semanas, o
que diziam os inimigos antes da morte. Era inacreditável a atenção às palavras
alheias; as frases mais simples brilhavam como estrelas nos olhos acesos de
curiosidade, fisionomias inomináveis passavam como ondas pelos rostos de todos os
membros da tribo que, a cada temporada de caça, cresciam cinco centímetros.
Com o tempo todas as palavras
foram assimiladas. Já não havia aldeias capazes de propiciar o suprimento de
línguas desconhecidas. A tribo começou a definhar, diminuíam cinco centímetros
a cada temporada de chuvas. Muitos se aventuraram na busca desesperada pelo
ouro da linguagem, nenhum deles voltou. Privados da abundante matéria-prima
fornecida pelos povos da floresta, viram-se na obrigação de soltar a voz. Pena,
pouco depois de o primeiro índio proferir as primeiras palavras da tribo – “homem
branco” –, os portugueses comemoravam a extinção da primeira tribo do Novo
Mundo.