domingo, 31 de agosto de 2014
Travesseiro
![]() |
Trabalho do fotógrafo polonês Dariusz Klimczak
|
os sonhos
nunca couberam
na maciez de
algodão egípcio
nunca se sabe
quem os recolhe
nas horas mortas
antes dos lençóis
esticados da
rotina
algum olhar
treinado em
vestígios invisíveis
no entanto
verá pungente
rastro
esgarçando os
limites
do tecido
retangular
Variações Goldberg, BWV 2014 (arranjo para cordas no pescoço)
As horas-extras, amor.
O trânsito engarrafado.
Um tiroteio na Avenida Brasil.
Senti um aperto no peito.
Quase fui esfaqueado no metrô.
Juro por Nossa Senhora.
Que minha mãe caia mortinha.
Roubaram o meu pagamento.
Contando ninguém acredita.
O gerente me confundiu com assaltante.
Essas manifestações atrasam a nossa vida.
Os trens estão todos fora do horário.
Choveu muito do outro lado da cidade.
Dia tão quente que até desmaiei, amor.
Levaram o teu presente de aniversário.
Dessa vez tô falando a verdade.
Gastei quatro horas procurando meu celular.
Fui ver nosso time ser surrado no Maracanã.
Não era baranga, amor, era minha sobrinha.
Pode ligar pro Valdir, ele é testemunha.
sexta-feira, 29 de agosto de 2014
domingo, 24 de agosto de 2014
sábado, 23 de agosto de 2014
Duelo
Esgrima no escuro, outro florete
ausente, o que se golpeia
não sente
filete vermelho no meio do
peito.
Pelos cinzas chamuscados
de esquivas
invocam rubros demônios da
noite.
Ouve-se falsa respiração,
falta
de fôlego da vingança ao caírem
lâmina, lágrimas e mil
palavras
na lixeira de plástico
lilás.
Na ponta da sombra sempre
alguém sangra.
domingo, 17 de agosto de 2014
Nunca, talvez, agora
![]() |
Max Ernst, "The Gramineous Bicycle Garnished with Bells the Dappled Fire Damps and the Echinoderms Bending the Spine to Look for Caresses" - 1920/1921 |
Sem
e com,
vou por
e contra.
Aço
e flor
em pântano
ou no Atacama.
Talvez
e sempre
o nada
e o infindável
no fundo
ou fora
de prumo
e da hora.
Vou ficar
e não vou ficar
para levar
meu barco
a uma página
em branco
ou ao espanto
do mar
onde nadam todos os nomes.
e com,
vou por
e contra.
Aço
e flor
em pântano
ou no Atacama.
Talvez
e sempre
o nada
e o infindável
no fundo
ou fora
de prumo
e da hora.
Vou ficar
e não vou ficar
para levar
meu barco
a uma página
em branco
ou ao espanto
do mar
onde nadam todos os nomes.
sábado, 16 de agosto de 2014
Poema em dez rounds
Poema em dez rounds, homenagem a Éder Jofre, rmpunha as luvas em
quinta-feira, 14 de agosto de 2014
A era do descontrole
o mecanismo crescente
asséptico
eficaz
edificante
graças ao qual
o homem futuro
pisará em faixas
demarcadas
apesar da lama
mover-se biomecânico
de asas cortadas
passos ao comando
de cálculo e carnificina
os impostos em dia
a mão à altura do peito
frases-feitas queimando a boca
os risos no terceiro botão
à direita de quem morre
por erro médico
ou efeito colateral
do programa império da prosperidade
quem quiser
pode pegar folheto
com instruções
sobre o fim do mundo
denúncias anônimas bem-vindas
contra o informe
o aberto
o incontrolável
a palavra não catalogada
pagamento na saída
asséptico
eficaz
edificante
graças ao qual
o homem futuro
pisará em faixas
demarcadas
apesar da lama
mover-se biomecânico
de asas cortadas
passos ao comando
de cálculo e carnificina
os impostos em dia
a mão à altura do peito
frases-feitas queimando a boca
os risos no terceiro botão
à direita de quem morre
por erro médico
ou efeito colateral
do programa império da prosperidade
quem quiser
pode pegar folheto
com instruções
sobre o fim do mundo
denúncias anônimas bem-vindas
contra o informe
o aberto
o incontrolável
a palavra não catalogada
pagamento na saída
domingo, 10 de agosto de 2014
Passaporte
![]() |
Manabu Mabe, "Vivacidade", 1966 |
Sujo de lodo
e enxofre,
com mercúrio na alma,
tudo o que busco
no fundo de fossa abominável
é um poema,
um único poema,
pequeno diamante
quase ilegível,
um poema impossível
a fim de apresentá-lo
a Deus no dia
em que os sem-juízo
serão conduzidos ao
inferno
da ressurreição.
Um poema
salvará a minha alma
da eternidade.
quarta-feira, 6 de agosto de 2014
Dia de visita
“¡Oh ciudad de los gitanos!
La guardia civil se aleja
por un túnel de silencio
mientras las llamas te cercan.”
La guardia civil se aleja
por un túnel de silencio
mientras las llamas te cercan.”
- Federico García Lorca
Puxou
a cordinha de náilon
azul
bem resistente.
Com calma, sacou
da xota
uma trouxinha de
maconha,
um celular,
dois abortos
e os corpos dos
dois irmãos
assassinados
pela polícia.
Huaco, de César Vallejo
César
Vallejo jogou as letras do idioma de Pizarro em vaso cerimonial, temperou-as
com ervas e preces quíchuas. O que ficou no fundo, sacudiu com as mãos ossudas
até obter o movimento rotatório construído com papel e barro - o círculo milenar
que guarda lhama, condor, puma e poeta. Muito além dos Andes paira o mistério
da passagem ritualística do micro ao macro, viagem clandestina do ponto de
sagração e de sangramento à esfera instável do planeta e de todo o universo.
Huaco
Yo soy el
coraquenque ciego
que mira por la lente de una llaga,
y que atado está al Globo,
como a un huaco estupendo que girara.
que mira por la lente de una llaga,
y que atado está al Globo,
como a un huaco estupendo que girara.
Yo soy el llama,
a quien tan sólo alcanza
la necedad hostil a trasquilar
volutas de clarín,
volutas de clarín brillantes de asco
y bronceadas de un viejo yaraví.
la necedad hostil a trasquilar
volutas de clarín,
volutas de clarín brillantes de asco
y bronceadas de un viejo yaraví.
Soy el pichón de
cóndor desplumado
por latino arcabuz;
y a flor de humanidad floto en los Andes,
como un perenne Lázaro de luz.
por latino arcabuz;
y a flor de humanidad floto en los Andes,
como un perenne Lázaro de luz.
Yo soy la gracia
incaica que se roe
en áureos coricanchas bautizados
de fosfatos de error y de cicuta.
A veces en mis piedras se encabritan
los nervios rotos de un extinto puma.
en áureos coricanchas bautizados
de fosfatos de error y de cicuta.
A veces en mis piedras se encabritan
los nervios rotos de un extinto puma.
Un fermento de
Sol;
levadura de sombra y corazón!
levadura de sombra y corazón!
Huaco
Eu sou o coraquenque cego
que olha pela lente de uma chaga,
atado ao Globo
como a um huaco estupendo que giragira.
Eu sou o lhama, a quem tão só alcança
a necedade hostil de tosquiar
ornatos de clarim,
ornatos de clarins brilhantes de asco
e bronzeados de velho yaraví.
Sou filho de condor desplumado
por latino arcabuz;
e à flor da humanidade flutuo sobre os Andes
como eterno Lázaro de luz.
Eu sou a graça incaica que se rói
em áureos coricanchas batizados
de fosfato de erro e cicuta.
Às vezes em minhas pedras se encabritam
os nervos exaustos de um extinto puma.
Um fermento de Sol;
levedura de sombra e coração!
Huaco, cerâmica pré-colombiana. Corequenque, ave sagrada dos incas que usavam
as suas plumas na confecção de coroas destinadas aos soberanos. Yaraví, canção
que funde elementos de origem indígena e hispânica. Coricancha, grande Templo
do Sol, em Cuzco; sobre as suas ruínas os espanhóis construíram a igreja de
Santo Domingo.
terça-feira, 5 de agosto de 2014
Pesadédalo *
noite
labiobabel
labiobabélicos
labirintos
borgiariadnes
dos quais se sai
com sal nos
olhos
áridos
por túneis Hamas
na carne viva
de poemas virgens
na língua
de papel branco
Minotauro
aterroriza
oferendas vivas
à míngua
em beco sem
saída
Teseu
não dorme mais
no ponto
entre o fio
e o detonador de
mitos
em arenas de
Cnossos
tecnomorcegos
elevam nível de
sangue
e ranger de
ossos
a pico de
audiência
* A palavra “nightmaze”
foi criada por Joyce (capítulo 13 de “Finnegans Wake”). O poeta Leonardo Fróes
traduziu-a como “pesadédalo” na expressão “nightmaze novel” (romance de
pesadédalo) usada por Lawrence Ferlinghetti no poema 29 de “Um parque de
diversões na cabeça” (L&PM, 1984), forma que me parece preferível à
utilizada por Donaldo Schüler, "onirodédalo".
sábado, 2 de agosto de 2014
Trinca - parte II
Assinar:
Postagens (Atom)
loading..