segunda-feira, 8 de julho de 2013

A dama de cinzas

Klimt























Um círculo ao redor de fonte quase sem água.

Eis a morte.

Caninos de liquens de outras praias,
músculos e dentes de letras mortas.

Eis a morte atravessando a rua
com perfume de calma tempestade.

Vem com a jaqueta de Torquato Neto,
a camisa amarela de Maiakovski
manchada de tinta do jornal de ontem
à altura das axilas,
fiel ao seu estilo
a morte não se depila.
Olhos de Anne Sexton,
cabelos de Sylvia Plath,
vem num velho vestido
de Ana Cristina César.

Burocrata sonolenta
com pose de czarina,
eis a morte.

Traz brioches e cocaína,
a iguaria mais fina
para um banquete familiar
sobre as manchas vermelhas
de toalha xadrez.

Eis a morte.

Retira de vasta sacola
o chapéu de Sá-Carneiro,
os sapatos ainda molhados de Celan
há pouco pescados no rio.

Eis a morte na esquina,
seios de cinema,
pernas de tirar o fôlego
e uma urna de ossos.

Leva os olhos de Cesare Pavese,
lava o rosto de Serguei Essenin,
larga desarrumadas as malas
de Florbela Espanca e Virginia Woolf
em cima de um bueiro.

Eis a morte.

Traz uma garrafa de tequila
pela metade.
Coloca óculos rayban,
lê,
com falso interesse,
meu último poema.
Dá muita risada,
fala para as sombras nas paredes:
“Quanta bobagem!”

Eis a morte.

Traz tesoura
de Antero de Quental.
Recorta meticulosamente anúncio
de caderno de classificados,
guarda-o com vulgaridade obscena
sob o soutien.

Eis a morte.

Atravessa a rua.
Vira o rosto de delicado arroxeado
 mais uma vez
para arremessar-me um beijo
do outro lado da calçada.

Eis a morte.


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