segunda-feira, 8 de abril de 2013

Turbulência

Trabalho de Jarek Kubicki 




Seus olhos instalaram um alfabeto estranho em meu destino. Outro DNA invadia meu organismo. Os braços pareciam imantizados ao dorso da desconhecida, o tórax inflado, as mãos energizadas e mais largas, a pulseira metálica do relógio arrebentou-se no pulso, o corpo mais pesado e cinco centímetros mais alto.  Tudo era estranheza e turbulência. Quando virei a cabeça para ver quem acabava de ultrapassar o limiar da porta, bochechas maiores do que as de Dizzy Gillespie começaram a insultar a pequena escrava. Da garganta apoplética do comerciante saíam fileiras de nomes sujos.  Raspavam a gosma do farto bigode, banhavam-se em perdigotos e cheques sem fundos, batiam no estuque falho do teto  para desabarem na pele tão clara de minha doce desconhecida, em cujas veias eu podia ver pedras e peixes no fundo. A mudez de minha manequim feria a cláusula x  do contrato; na falta de açoites, uma semana sem pagamento, corte de vale-refeição e auxílio-transporte. O troglodita suava em bicas sobre o teclado em que redigia multa e fundamentações. Processo por perdas e danos. Indignação de ópera bufa com a loja transformada na casa da mãe joana. Não vacilei. Peguei a  pistola, apontei para o cofre incrustado naquela testa lustrosa, disposto a estourar-lhe os miolos. 


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