Não aguentava mais o barulho dos
trens. Locomotivas iam e vinham no imenso pátio ferroviário de Praia Formosa.
Vagões de todos os tipos - tanques, fechados, isotérmicos, hoppers, gôndolas,
plataformas, especiais - acoplavam-se, desacoplavam-se na montagem de
composições para destinos diversos. Trabalhava emputecido. Onze dias de greve
descontados no minguado contracheque. O telex no pequeno cubículo, onde se
mumificava longas horas por dia, ampliava o pesadelo sonoro. Quis ser
ferroviário para seguir viagem interminável. Mil aventuras de ouro adormecidas,
mil mulheres esquecidas à beira de trilhos intermináveis, morrer cada noite em
um corpo para amanhecer em outra cidade. Acabou lotado numa área de manobras
com ar de sucata. Agora a vida em aberto transformara-se em peso insuportável: âncora
lançada em meia-água na Baixada Fluminense com mulher e três filhos. Mais um
estrondo, dessa vez muito forte; a locomotiva descarrilou e tombou dois vagões.
Pôde ver, pelas grades da janela da estação, sua cabeça esmagada entre dormentes e
rodas de aço.
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