sexta-feira, 31 de maio de 2013
quarta-feira, 29 de maio de 2013
Os três reis magos vieram de van
terça-feira, 28 de maio de 2013
Falência
venais palavras
em cofres
a 10%
a vida, roleta russa
bingo bangue-bangue
um crash
um baque
um boom
pânico no centro nervoso
déficit: zoom em vermelho
adição subtraição corrosão
de valores-bolha
negativo o índice
de gordura no corpo
confiança em baixa
resolução
as veias
com portas de saída
obstruídas
(só a queda
é livre)
não há blindagem
que resista ao silêncio
segunda-feira, 27 de maio de 2013
Oitava incursão à carne
![]() |
Egon Schiele |
Vieram as mulheres de
Jerusalém para enxertar na minha pele devastada toda uma fome de bestas sem
apocalipse, sem memória. Toalhas de linho sobre o criado-mudo e potes de barro
ao pé da cama, as loucas de véu azul revezavam-se em fogo e fúria, excitadas
com nacos de músculos e nervos entre os dentes de ouro. Com mãos gordurosas
limpavam o excesso, depois usavam as próprias túnicas para extrair pequenos
pedaços de vísceras entre os dedos viciados na solidão do sexo nas colinas. Aos
risos e entoando palavras desconhecidas, jogavam em cestos de vime grandes flocos
de algodão doce de sangue. Em meio à sofreguidão dos monossílabos do gozo, um
nome soou acima dos lençóis rasgados pela luxúria, e era o teu nome flutuando
em sílabas enlaçadas à memória da tua carne em noites de frio. Ao ouvi-lo as
mulheres murcharam arroxeadas, as pedras de anéis presos à avidez das mãos
perderam o brilho, todos os véus caíram ao chão,
contaminando de melancolia vestes lavadas em lágrimas, esperma e sangue. A mais
louca paralisou interminável felatio
para cuspir maldições pelas dezenas de cáries da boca, os olhos fuzilando
crimes. Saíram em bando, as almas insaciáveis sumiram como farrapos ambulantes
muito além das cortinas do sonho. Sim, possuo apenas um nome para o amor, e é
teu ainda mais quanto te ausentas.
Baldios Rimbaud
Domingo de dormência nos dedos.
Abro o livro de outra graça
e fulgor
para entoar preces às
seis da tarde
não em capela,
mas em pleno bas fond.
As letras regurgitam
passagens
de impasses e perfídia
espalhadas na argila por
um órgão
de sacras linhas majestosas,
acordes e versículos de
bile negra
saltam de salmos
apócrifos
para contrição cancerosa.
Um pobre diabo saiu de
Charleville
como beat
(falam os arqueólogos
de um corpo agora pedras
abissínias
em língua copta).
Certo mesmo
restou registro fotográfico:
o pequeno descabelado
carimbando
com mãos de menina
íris e pupilas
de devastadora iluminação
luciferina.
Esse menino-demônio de
outra id(entid)ade,
rosto de arremessador de
dinamite,
roubou-me o fio desencapado
da escrita,
levou palavras e sintaxe
em sacos de contrabando,
clandestinizou com hybris adolescente
fugas,
roteiros,
viagens. domingo, 26 de maio de 2013
Cuneiforme carioca
![]() |
Interior do Teatro Lírico, Rio de Janeiro, em 19.02.1927 (o teatro foi demolido em 1934) |
Dia de caminhar em silêncio
cuneiformes cariocas, a arqueologia afetiva das ruas todas do centro do Rio de
Janeiro. Dia de não se ver a calçada, a caixa de rolamento, os postes belle époque e as esculturas de ferro
fundido em velhas sacadas. Dia para
se perder no gigantesco pergaminho em cuja superfície zilhões de passos
desaparecem em fluxo contínuo como líquida memória que se esvai entre as
frestas dos paralelepípedos submersos numa espécie de hemorragia de espaços
urbanos por onde um dia encontramos abrigo, subimos os rangidos de escadas, fomos
acolhidos entre paredes imperiais e até nos apaixonamos. Ah, a era dourada de
Ouvidor dândis; os ares parisienses da Rio Branco e a passeata dos cem mil; a
música em sexo balzaquiano da Tiradentes; a urgência na fila do teatro de
revista da Carioca; os bondes e as pernas da Uruguaiana; os casarões alongados
do círculo dos sebos; os tílburis a caminho de Botafogo; os crepes, chamalotes, veludos, tafetás, cetins, cassas,
gorgorões em vestidos dominicais no Passeio. E mais acima dos olhos,
buscando insignificâncias no chão, a pulverescência de alguns prédios ou a
modernosidade contábil-operacional de caixotões-business, monstros devoradores de horizonte e beleza, a fixidez de tantas
outras construções nas quais a única mudança são novos hálitos urbanos e a
respiração de outros trajes. Ah, o domingo rói em surdina os ossos da paisagem,
lambe as suas cáries, oculta outra cidade no subsolo exposto – masmorra a céu aberto:
bando de espectros, debaixo de marquises, amontoa-se sobre papelões, olhos
insensatos montam cenários de crimes, cachorros latem desolação urbana, tapetes
de sujeira, lixo. Um mendigo fuma cachimbo
insólito. Ele e todos os sobrados tremem de medo, como se pressentissem a
aproximação furiosa de novos neofasciurbanistas que virão para ofertar o
deserto à cidade.
sábado, 25 de maio de 2013
sexta-feira, 24 de maio de 2013
Mais um texto em Mallarmargens
Mais uma texto meu foi publicado em Mallarmargens -
http://www.mallarmargens.com/2013/05/o-risco-de-desmanchar-se-e-sombra-de-um.html
quinta-feira, 23 de maio de 2013
As palavras que morrem na boca
Parafusos de titânio
no maxilar
para que as palavras
fora de fuso
soçobrem horizonte
eviscerado
Da carne em ganchos
e febre
no frigorífico
pingos de suor
desgastam frágil guarda-volumes
O rosto
em profano sudário
fora de uso
trêmulo desenho
inconcluso
Movimento peristáltico
do corpo
nuvem difusa
suicida
no vaivém
das cordas vocais
quarta-feira, 22 de maio de 2013
Morrer na praia
Desci do ônibus para ver o mar,
agitados, nós. Míope e cansado, sentei-me em banco de cimento emplastrado de
areia molhada. As ondas chegaram a mim apenas pelo estrondo, como se passos ritmados
de um gigante líquido espalhassem acordes pesados nas pedras portuguesas. Talvez os peixes pudessem saltar sobre as
redes de vôlei, escapar a pranchas, turistas e ambulantes para finalmente secarem
as escamas de gaze na minha bermuda cor de insônia, no exato momento em que eu
sorvia todos os oceanos de um pequeno planeta verde. Terminado o saque, joguei
o coco na caçamba e, incontinente, peguei um bloquinho de papel sem pauta para
aprisionar um pensamento fértil mas volátil. A caneta caiu e rolou zombeteira
no chão a caminho do ralo, deserdando a minha alma de notário de acontecimentos
inapreensíveis em linhas e versos. A ideia não se quis presa, o texto morreu na
areia. Mas o mar infame sempre guarda navalhas àqueles que não lhe fazem
oferendas. Veio uma mulher (e dizer “veio uma mulher” é de uma pobreza
imperdoável) pela calçada, veio vindo e eu vendo a sua vinda e ela vindo eu
vendo ela vendo eu vindo ela veio do fundo da calçada eu vendo ela vindo e
vendo eu no fundo rolando como a caneta também um corpo a caminho do ralo.
terça-feira, 21 de maio de 2013
Sétima incursão à carne
Não cair pela segunda vez, mesmo
que íngreme demônio o caminho à tua pele estendida no alto de tantos
desencontros. O desejo e seus antigos afluentes latejam nas têmporas correntezas
sanguíneas, pressão em alfa, tonta navegação armilar nos polos cranianos. Todos
os líquidos corporais operam prodígios no campo magnético dos olhos, injetando-lhes
uma luz alaranjada que alimenta cães selvagens na penumbra de seios à espera de
ossos e areia. O sopro oriundo de cofres internos devasta espera e amplia ao
infinito o som da abertura do zíper, enquanto o mover-se inquieto das mãos, impuro
balé tateando maciez e manhã em peles rasuradas de hiatos e perdas, em teus pelos
úmidos, em teus ocos, acende luzes de emergência entre as coxas. O tempo
líquido, um mar anterior ao mundo, faz a armada ora levitar, ora ir ao fundo,
mas todas as naus resistem completas à intensa travessia. As marés da carne, o
enroscar-se de caramujos, a hibridez de rocha e esponja, tudo respira instante
e eternidade. Alargar e contrair luas e pêndulos cravados na loucura mútua. Na
ausência de centro, apenas alternância, ritmo, dança erótica; movimentos
centrifugo e centrípeto. Corpos cerzidos, emendas afetivas, rascunhos amorosos,
males da alma, tudo se evapora. Despidos de nós, o que somos vige exatamente
agora quando gozamos estrelas de igual grandeza.
Mais um texto em Mallarmargens
Um dos meus textos da série "Páginas da Zona de Sombra" foi publicado pela revista Mallarmargens. Confiram em
http://www.mallarmargens.com/2013/05/toda-palavra-e-o-som-e-grafia-da-perda.html
segunda-feira, 20 de maio de 2013
domingo, 19 de maio de 2013
Na escada rolante ao lado
sábado, 18 de maio de 2013
Uma ciclista zerou o meu caminho
O que vi
quando a bicicleta
levantou pernas
em relâmpago
(senti a curva
do vento
estufar a camisa)
forçou-me a fingir
a continuidade
do mundo.
Ainda voltei o rosto
mas o corpo
tornara-se verde
distante
sob um boné branco.
Fração de mínima mirada
pode virar
a página
na qual se apaga
a vida
ao dobrar a esquina.
A ciclista
fugiu
com a minha vida
na cestinha capim-limão.
sexta-feira, 17 de maio de 2013
Sexta incursão à carne
![]() |
Egon Schiele |
Desnudados por urgência, não reparamos a invasão
de outros perfumes pretéritos aquém dos espelhos que nos arremessavam ao teto. Mentiras
e gozos alheios permaneciam entre as paredes, fantasmas alongando excessos ao
tempo de permanência. Meu rosto na toalha macia filtrava a respiração da rua em
ablução ou batismo com o qual a pressa convertia-se em outro ritmo, sístole e
diástole, íncubo e súcubo, fôlego erótico para atravessar túnel noturno.
Bordadas na toalha com perfeição de fotografia as mãos de Verônica secavam
mágoas e acariciavam a barba tão rala (no desenho eu negava três vezes a
navalha sobre a bancada de aço inoxidável da pia). Um quarto sempre será
estreito para o amor quando se rompe o lacre das aparências, quando desaba a
blindagem de timidez e previsibilidade. Trouxemos de fora a tempestade, a
saliva em temperatura de lava, a oleosidade incontrolável da vulva, a intumescência
vergonhosa do pau saltando vexame na
calça xadrez, o movimento de nos tocar como se acendêssemos febre no
corpo inteiro. Então, arrancamos nacos de carne com as pontas dos dedos
lambuzadas de felicidade, fabricamos solda de suor e seivas, inventamos moluscos
bivalves, fístulas, dutos de perversão e santidade; abraçados em extremos tão
voláteis, vibrando em jorro em nossos dentros, levitamos nossos nomes,
desmanchando-os letra a letra lentamente sobre a cama incandescente que
trouxemos da rua em nossos pulsos.
Assinar:
Postagens (Atom)
loading..