Desci do ônibus para ver o mar,
agitados, nós. Míope e cansado, sentei-me em banco de cimento emplastrado de
areia molhada. As ondas chegaram a mim apenas pelo estrondo, como se passos ritmados
de um gigante líquido espalhassem acordes pesados nas pedras portuguesas. Talvez os peixes pudessem saltar sobre as
redes de vôlei, escapar a pranchas, turistas e ambulantes para finalmente secarem
as escamas de gaze na minha bermuda cor de insônia, no exato momento em que eu
sorvia todos os oceanos de um pequeno planeta verde. Terminado o saque, joguei
o coco na caçamba e, incontinente, peguei um bloquinho de papel sem pauta para
aprisionar um pensamento fértil mas volátil. A caneta caiu e rolou zombeteira
no chão a caminho do ralo, deserdando a minha alma de notário de acontecimentos
inapreensíveis em linhas e versos. A ideia não se quis presa, o texto morreu na
areia. Mas o mar infame sempre guarda navalhas àqueles que não lhe fazem
oferendas. Veio uma mulher (e dizer “veio uma mulher” é de uma pobreza
imperdoável) pela calçada, veio vindo e eu vendo a sua vinda e ela vindo eu
vendo ela vendo eu vindo ela veio do fundo da calçada eu vendo ela vindo e
vendo eu no fundo rolando como a caneta também um corpo a caminho do ralo.
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