Manabu Mabe |
I
Feminua
na concha da lua cheia.
Noturna sereia,
no cabaré da Lapa
não cabe
a indecisa nudez.
Peças
saltam ao chão,
desenham um pecado de cada vez.
Sombras de prímulas trêmulas
ao som de paredes perfuradas
por tristes tangos redondos
- sonoras crateras lunares
em que ávidos sorvemos
a vida sabor de vinho e contrabando.
Nosso clã
nosso destino
nossa idade
Clandestina claridade,
árvore onde inventamos
o verde
a levitar e inverter
a verdade:
essa versão falsificada de felicidade.
Feminua
é quando o salto se inaugura.
II
Ser a chuva sobre,
a água jogada aos pés
ou o vento invasor, talvez.
Mínimo movimento
em direção à perda de lucidez.
Diria, em outra pauta,
rumo à implosão
ou à falência das palavras.
Ir ao encontro do
beijo mais aceso,
esse, semelhante a selo
com o qual se lacra
a intensidade que escapa.
A chuva,
sobre a sombrinha,
soberana.
Quem determina
a cadência com que se afirma
a proteção redonda
dentro da qual caminha
elegância bailarina?
Qual proteção?! Que nada!
A sombrinha é que socorre a chuva
do sol que a segura e nasce a cada passo.
A sombrinha,
inversão completa:
passarela suspensa e portátil:
alumínio, nylon e poesia.
III
A cidade era uma rede de ruas
onde o progresso apagava a paisagem,
acumulava crimes e cicatrizes
e traçava em seco mapa suas margens.
Na verdade, já não existem cidades.
À falta de asas, de olhos e de encanto
avenidas são feridas urbanas,
enviam invisibilidade a todos os recantos.
Nenhum projeto urbano
rima com felicidade.
A cidade, então, é você,
toda,
inteira.
Praia, peito, ponte
onde circula a claridade
e pássaro solar
dança no horizonte
além das salas secretas
uma cidade
flutua
sobre hálito incandescente.
Uma cidade deitada
derruba todos os muros,
incomensurável
entre paredes.
Belíssimo poema, José!
ResponderExcluirGrande abraço.
Valeu, Lara.
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