Nada melhor do que a escrita para
afundar-me por inteiro. Com Ciça, água pela cintura, no máximo à altura do
pescoço. Os braços ficavam livres para tatear falsas alternativas. A mão
alcançava a maçaneta da porta de emergência. De uma forma ou outra, sempre uma
boia salvadora. A via de escape era invariável promessa não cumprida; na outra
ponta, nova hecatombe. Com o tempo aprendi a escapar invadindo territórios
alheios. Hoje, por exemplo, preciso me instalar na loja do outro lado da rua
para fugir da chuva torrencial. Minto, claro, minto o tempo todo. Minha
manequim quase anã virá levantar a grade inglesa às seis horas da manhã. Eis a
causa das rachaduras profundas e do inchaço no hipotálamo. Minha
manequim-boia-farol um passo à frente. Quando deixar a mochila sobre o balcão e
começar a fechar mecanicamente a sombrinha azul circulada por um dragão
dourado, vislumbrará o vulto intruso encostado na prateleira de perfumes
paraguaios. Apavorada, sim, mas muda. Tentarei falar de destino, de ser
impulsionado por ventos misteriosos, da atração exercida sobre um corpo pela
passagem da lua sobre o deserto. Todas as palavras irão se desintegrar nos
olhos de resina da manequim quase menina. Ela não se acalmará com frases
absurdas. Permaneceremos suspensos no medo do próximo gesto. Não, nada disso
acontecerá, preciso dormir para voltar à realidade. Agora, no escuro entre
balcões e mercadorias, deito-me com fones nos ouvidos, a pistola à altura das
mãos.
Na fome do ser... a dura realidade!
ResponderExcluirAbraço, Célia.