quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Extermínio

Obra da artista islandesa Gudrun Vera Hjartardottir

























turnos
manhã
tarde
noite
ocupados

lotação
esgotada

futuro
no esgoto
se não sobra
uma gota de tempo
pra nada


terça-feira, 25 de novembro de 2014

Manada em branco

Trabalho do artista francês Jean Luc Cornec



















Manada
imóvel
caixas postais
ocupadas
todas as linhas
desativados
todos os ramais
toda ligação
incompleta
palavras em queda
não atravessam
o vácuo.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Dissimulatio artis

Rony Bellinho

























infame pulga salta
de poema de John Donne
para pele opalina
sob a luz ocre de velho  vitral
o sol queima
todos os pecados da carne

de joelhos
com fervor desconhecido
meus olhos crescem
em direção ao ponto móvel
negro
a dançar diabólico
impossível
nas encostas de duas colinas
cônicas
que escapam
por brecha na blusa bege

sou todo devoção

sábado, 22 de novembro de 2014

Sucata




O que sobra
em pilhas
pátio afora
oxida palavras gastas.

A vida
fora de uso
vira entulho.

Tudo ilusão
de futuro;
o campo de escombros
alastra-se além muros,
esterco e monturo
convertem ruas
em rios de chorume.

No lixão da cidade
peste e passado se igualam.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

A mulher ao largo




















Um nome
não sai das sílabas
de frases vazias
em linguagem morta;
invasor compulsivo
de tantas palavras
na escuridão da boca
de tanta ausência torta.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Manhã maquínica

















Manhã maquínica,
maquiada de nuvens
a face azul do céu
encerado de beleza
sobre a cabeça dos androides.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Os fracos esperam a vez




























Secreto acordo com o inevitável
habilita passagem às esponjas
e estrias do teu corpo em oferta.

O celular dispara sem tomar fôlego
enquanto finges que gozas. Felicidade,
perfume vagabundo em tuas coxas.

Um toque na campainha da quitinete
poda a paixão luminescente. Outro cliente
chega fora do fuso horário marcado.

Saio com míseros trocados escada afora.
Depois que for embora, não direi a ninguém
o nome do rosto tatuado na omoplata.

Toda terça torço para encontrar lugar no leito.
Sou o primeiro a chegar. Precaução inútil;
tenho sempre que esperar clientes VIP.

Se não posso demovê-la do vórtex devasso,
devasto a minha vida em servidão voluntária:
sou o cliente nº 1, vassalo e vil por opção.

Galés - versão 2014


sábado, 15 de novembro de 2014

Palavra inalcançável

























Sempre habitei
margens de erro,
desabilitado
a propriedades de cura.
A poesia, portanto,
nunca foi um caminho,
mas o único destino
impossível.


Manoel de Barros




Desvoo de ave
no papel azul do céu
tem nome: Manoel.

Vento nos bambus



Sete aves azuis
enchem água e céu de luz.
Vento nos bambus.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Chave perdida




Perdi a chave
das coisas simples
que caem
em estado de graça.

Escapou do bolso da calça
cerzida de mágoas
para a chuva
que caía
ácida e grossa.

Pequena chave de latão
de encaixe perfeito em latências
na região de fendas das palavras.

Recompensarei com abraço
tão estreito
que meu corpo ficará impresso
de modo incontrolável
na pele de quem encontrá-la.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Amor em curto

Rony Bellinho
























O amor deu a volta
de fininho,
fingiu que errou
o caminho,
foi bater em outra
porta
(dentro outra rainha
se fingia de morta).

Mancha

Jasper Johns


















“Toda palavra é uma mancha”,
sim, Beckett,
 “desnecessária no silêncio e no vazio”
Por isso espalho
no branco do papel
pontos cegos
até que a página
repleta de rasuras
amanheça impronunciável
e as palavras,
limpas de significados,
deem vida ao nada,
mãe de todos os poemas.


segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Fraternal














As datas apagadas
combinam com flores ausentes
e velas acesas
muito mais do que combinávamos,
crias de contrabando,
eu e você,
meu irmão salvador,
que só conheci  aos 12 anos.
e nada tinha a ver
com os heróis de gibi.

Guardo até hoje
o gosto da descoberta
de que minha  blindagem  permaneceria
intransponível
para o resto da vida
como seu retrato ainda jovem
agora
no jazigo à minha frente.