domingo, 28 de setembro de 2014

Longe - versão 2014























Longe:
advérbio
de distância variável
flutua
a memória magoada
ora plena
ora pura opacidade

Longe:
advérbio de solidão
sintaxe intoxicada
pelo gás carbônico
de ruas submersas
despovoadas
de sinais e chamados

Longe:
advérbio de perda
alta quilometragem
fora dos limites de velocidade

das contingências
pneus descalibrados
carteiras vencidas
paisagem puída
onde pastam placas
sinalizando círculos
(ausência de passagem)

Futuro mais-que-furado


sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Visita


















O ônibus deu voltas
incontáveis
por isso cheguei
tarde demais
ao ponto extremo da estrada.
Todos os loucos
já foram liberados.
A Colônia Juliano Moreira
agora um bairro:
condomínios,
comunidades
e a Transolímpica
cortando veias verdes.

Começou a ventar forte
agora,
talvez espíritos seculares
convençam a segurança
de que não represento ameaça.
Podemos conversar
sem gestos nervosos nas armas.

Sei que todos estão ocupados,
Minha mãe com 38º de febre,
há dias internada,
não ouve o que digo.
O médico só chegará
depois da chuva.
A enfermeira,
com um frasco de soro nas mãos
e uma dúzia de diminutivos
escorrendo pelo batom escarlate,
afirma ser inútil aguardá-lo,
preciso seguir em frente,
antes que a tempestade caia.
Depois se cala
quando lhe digo
que vivo internado
em lugares onde nunca estou
e dos quais nunca consigo sair.

Ri, meio assustada,
apesar da delicadeza na voz:
“Se você viesse há décadas
não sairia,
mas agora não há vagas”.


Rio, 26/09/2014 – Colônia Juliano Moreira

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Degustação - versão 2014

Arcimboldo

 



















Há conversas sem anverso.
Nelas, uma voz ressoa facas
em prato vazio.

As palavras - pólvora impura -
tateiam púrpuras na pele
enrugada em chumbo noturno.

Invisíveis os sulcos
nos quais a paixão irrigou
a colheita nunca recolhida.

Como iluminar pulsação sem limite
com luz insonora?

Qual o sabor das horas
que passam em barcos fantasmas?

Qual a distância entre
agora e antes?

Que não haja pane e perfídia
entre palavra e vida.

Que todos os gestos
sejam chaves de festa.

Que a dor não imobilize os membros,
não mais do que nesse minuto de purga
entre pergunta e sobremesa
em que se degusta palavra amarescente.

Restará, como licor amargo, um gosto degradado
na partitura do dia perdido.

Em outros momentos navegantes,
refeitas do sabor de nomes incompletos,
nossas sílabas amanhecerão entrelaçadas
amorosamente
na carne e no som.



Nota





Pensei em escrever um poema tomando por base uma expressão evanescente de longínqua aula de inglês - "a plastic spider". A professora sentada, minha adolescência em febre escorrendo nas pernas generosamente cruzadas do vestido tubinho azul celeste. Eram frases sobre presentes. Pura redundância a quem já havia sido abastecido para noite insone. Obtuso como poucos, recusei-me ao exercício. Aranhas de plástico não existem. Nenhuma aranha sem mobilidade. A aranha sem expectativa não é aranha, apenas mosca morta. Para que oito pernas, se não chega a Minas? Uma aranha precisa viver à espreita. Pulsa forte o coração de aranha?

Eram as minhas frases no caderno (ainda existiam cadernos e neles alguma coisa era escrita sempre de forma errada). Noite adentro, no entanto, outras aranhas me sacudiam inteiro em teias invisíveis. E é assim que os poemas desacontecem.



Poema na Revista Grito


Mais um poema - "O Kraken da Copa" - publicado na Revista Grito

http://www.revistagrito.com/#!O-kraken-da-Copa/cywl/389AEDE8-5224-4E8A-9192-3B434240E475

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Petit jeté




















Mesmo em dia negro
nuvens se desarmam
quando duas ameixas
amanhecem
nos olhos da pequena bailarina
que me sorri
ainda tonta do sonho
de ser Pina Bausch.

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Do que ficou no papel

SIT (Freakin Sitnie)





















perdi o metrô
preso à plataforma
obsoleta
a multidão amassou
folha de fichário
obsoleto
rasgou-a
em meio à disputa
palmo a palmo
pelo lugar marcado
no vagão a caminho
de Necrópolis
campo de absoluto
descontrole
pós-roletas
obsoleto
egocegodiosos
os aparelhos de controle
conectados
às escadas rolantes
do mundo fantasma
obsoleto
o que se escreveu
na folha
(frente e verso)
voou aos pedaços
lentamente
no vento subterrâneo

domingo, 14 de setembro de 2014

Só Net



















Em torno da mesa de Madame Rosebud coisas misteriosas acontecem. Por exemplo, uma mosca azul aparece do nada e lança um líquido estranho em minhas veias. A mesa treme e rabisco, zumbi “com a pena da galhofa e a tinta da melancolia”, um sonessonolento poema fake.

Só Net

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sábado, 13 de setembro de 2014

Elegia aos poemas mortos em acidentes de trânsito

Lygia Clark
















ερωνεία
ironia
ironícone
onírico
Iron man
clone
de papel
vem a chuva
em Tombstone
ironanista
com a boca
no trombone
cheio de Y
ironicósmico
ironicômico
alguém
abriu o verbo
ironiconfuso
para um poema
faltam
dez parafusos



Haicai



O eco sopra nome
intraduzível. Leviana
ventania contra.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Ensaio

Heitor dos Prazeres













Se eu
um pássaro
asas
acenderiam
canto e luz
no céu
do samba.



segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Decadência - versão 2014


Haicai quatro estações



















Drones e tronos
drenam pulsos insubmissos.
Globo em gangrena.

Caçador de Leopardi

Lectura, de Antoni Tàpies


























Caço Leopardi
em savanas
de velhas livrarias.

Acerto o alvo,
Appressamento della morte
desaba no balcão de fórmica
(ou de desejos).
A primeira linha
da ferida impressa
ainda treme entre os dedos:
Era morta la lampa in Occidente”.

Os versos atravessam
a fumaça do café vagabundo
à margem da Praça Tiradentes.
Escapam
pelos andares encardidos
de hotel de segunda classe
antes que olhar envenenado

os condene
à  avidez e à devassa
de leitor assassino.

Dos peces

















Dos peces
lavan la piel de la noche
en el espejo de la luna.