sexta-feira, 26 de julho de 2013

Grau máximo




























Vi
as vértebras
descerem
o dorso
por uma brecha
acesa
na blusa de cambraia
enquanto braços
inocentemente
morenos
elevavam-se
em prece
para acalmar
espíritos
revoltos em cabelos
ruivos e crespos,
vi com os meus impróprios olhos
que desde então
nunca mais foram os mesmos.


Ponto cego

























Tudo
ao redor
ao largo
ficou
empoçado
por pressa
desídia
pura insolência
de não se virar
a página
ou o pescoço
em inflexível obediência
à simetria
em que se afogam
palavras
em passo de ganso.




domingo, 21 de julho de 2013

Haicai em gomos






Doce tangerina,

alivia a alma e a língua

solto sol em sumo.


sábado, 20 de julho de 2013

O assassinato do manequim



















Não um poema
segundo rigorosa investigação,
apenas simples etiqueta
ao lado do corpo,
remarcação de peças,
preços,
desapreço.

Estátuas sangraram lágrimas
contábeis:
os crocodilos atrás das vitrines
exibiram falhas do olfato,
deixaram escapar das pedras
no asfalto
a revista diária
aos cacos de vidas moídas
em longas jornadas
sorriso e padrão classe A
afora,
vendedoras
lobotomizadas
em overdose de rivotril,
os nervos 
necrosados
quilômetros à frente
da placa
SEM FUTURO.

Mas há quem prefira
flores e preces
para o manequim morto.


sexta-feira, 19 de julho de 2013

Recordações do escrivão Isaías Caminha, de Lima Barreto




A inversão do olhar em Isaías Caminha

1 - Introdução

      A crítica tem sido unânime em considerar Recordações do escrivão Isaías Caminha um romance destituído de equilíbrio, opinião corroborada pelo próprio Lima Barreto em carta a Gonzaga Duque:

          um  livro desigual, propositalmente  mal  feito, brutal, por  vezes, mas
          sincero  sempre. Espero muito nele para escandalizar e desagradar (...)
          hás de ver que a tela que manchei tenciona dizer aquilo que os simples
          fatos não dizem, segundo o nosso Taine (apud Barbosa, 1981, p. 162).

     No entanto, a compreensão desse desequilíbrio deliberado ocorre de modo diverso no autor e na crítica. Aquele, segundo os seus próprios termos, vê a literatura como a possibilidade de desalienação na formação da consciência, tomando-a claramente não apenas como complemento ao real, ornamento, constatação de sua lacunosa percepção, mas espaço de discussão dos principais problemas do tempo e de construção da linguagem capaz de expressá-los. Já a preocupação desta é de outra ordem, exclusivamente atenta à organicidade da obra literária, posição expressa com clareza na objeção fundamental levantada por José Veríssimo:

          Há  nele, porém, um defeito grave, julgo-o  ao  menos, para  o  qual
          chamo a sua atenção, o seu excessivo personalismo, pessoalíssimo, e,
          o que é pior, sente demais que o é (apud Barbosa, 1981, p. 179).

      Paradoxalmente, são essas duas apreensões – o desequilíbrio e o personalismo – que nos levam a tentar decifrar o universo limabarretiano.
    O duplo diagnóstico do mal que enfraquece o livro reduz-se, na verdade, a apenas um: o personalismo, causa dos desequilíbrios ao longo da obra do autor. A sua tradução literária dá-se sob um olhar que conforma os objetos à natureza de seus desejos, imprimindo ao mundo uma força centrípeta, pois os acontecimentos são puxados por uma vontade que move o olhar sobre o real e conduz o sujeito à impotência ao não conseguir a plena realização da dupla perspectiva romântica: a certeza de predestinação, de julgar-se superiormente dotado, e a cobrança de uma estrutura social perfeita.
   O percurso do protagonista situa-se no centro da retina, constituindo-se o olhar em metáfora da apreensão do real. Sua irrupção no romance Recordações do escrivão Isaías Caminha surge impregnada com uma luz intensa voltada para a topologia social onde se fraciona e fratura a humanidade. Em Lima Barreto, como veremos mais adiante, esse balé classificatório, essa inserção na hierarquia social, apresenta uma complexidade que salta aos olhos, principalmente por colocar em discussão o espaço dos sem-lugar, dos excluídos, da margem. Sua obra padecerá dessa antinomia: é literatura de fora, porque incorpora pequena parte do universo dos sem-lugar, situando-o na proximidade de crônica social, ensaio e jornalismo: e é uma literatura de dentro, por existir no interior de relações linguísticas trabalhadas com fins estéticos; pouco importam os aspectos factuais, históricos e sociais ao processo narrativo, se não estiverem submetidos ao processo ficcional.
    O percurso de Isaías Caminha é, inicialmente, determinado por um olhar para cima, voltado para um plano superior que remete à concepção extremamente idealizada da existência, ingênua o suficiente para acreditar no mérito individual como moeda de trânsito rumo à ascensão social. Tal olhar corresponde a um estado pleno, repleto de humanidade, natural (na acepção rousseauniana), sem a perversão operada pelos mecanismos de cooptação ou rejeição social. Um céu ao alcance do talento é o fio condutor do jovem interiorano esperançoso ao ventre feroz da metrópole. Deslocar-se, assim,  só se justifica, obviamente, pela crença absoluta na qualidade do movimento que se dá por excesso, por transbordamento das capacidades individuais, cujo afloramento e a consequente consciência provocaram a sua expulsão do meio provinciano, onde se tornara um sem-lugar. 
    A mudança de locus converte olhar para cima em olhar para baixo. Esmagado ao peso da perversa engenharia social urbana, Isaías nega, gradativamente, a qualidade de sua apreensão crítica ao ganhar um lugar na redação do jornal onde ocupará as modestas funções de contínuo. O sujeito perde a consciência de si, transforma-se em objeto, muda o foco de sua visão: se contempla a realidade, é sob o prisma do menos, da subtração, da falta, espaço próprio ao recalque e ao rancor. O ponto máximo de sua dominação consiste em ver o mundo pelos olhos de. Degradado ao máximo, perde a consciência, desconstrói o universo de referências, pensamentos e ideais, assumindo a leitura feita pela ordem dominante como algo natural.
    Claro está que tal classificação visa tão-somente a entender o percurso de Isaías Caminha, pois o olhar é obrigado a conformar-se ao real, ao incessante movimento, ao devir, assumindo toda a sua complexidade.
    O protagonista é capaz de manter certa margem de independência, mesmo sob dominação, por isso esse olhar para baixo está eivado de contradições. Quando o diretor do jornal, Ricardo Loberant (trata-se, na realidade, de Edmundo Bittencourt, dono do jornal “Correio da Manhã”, modelo de “O Globo” no romance), finalmente passa a enxergá-lo, Isaías Caminha denota uma arguta recepção, atento à sua anterior inexistência, à sua não visibilidade. Constata, com tristeza, que a classe dominante é incapaz de enxergar a humanidade, a sensibilidade e a inteligência dos oprimidos. Aliás, é o olhar dominante que perverte o universo dos indivíduos em massa, soldando múltiplas existências no todo uniforme e anódino que envolve termos como "povo", "multidão", "população" e correlatos. A classe dominante lê o mundo como a sua casa, o olhar dela é, portanto, domesticador, tendendo a transformar todos numa abstração amorfa, numa inarticulação humana. Isaías Caminha não é ninguém. Ninguém o vê. Sua humanidade não existe, pois dependendo da visão e esta, por sua vez, necessitando de uma posição social, não pode ser visto.
    Incorporado à redação do jornal como um "igual", Isaías Caminha passa a viver, na parte final da narrativa, sob o influxo do "intimismo à sombra do poder", categoria lukacsiana retomada por Carlos Nelson Coutinho (1974, p. 4). Tal conceituação revela o mecanismo de cooptação dos intelectuais, uma das mais fortes denúncias contidas no romance. O processo de dominação das inteligências consiste em colocá-las a serviço do olhar dominante ou, na pior das hipóteses, neutralizá-las com cargos ou favores. Isso é possível pela presença, ainda seguindo as formulações arquitetadas no ensaio citado, da "via prussiana" no desenvolvimento do capitalismo brasileiro, caminho caracterizado pela conciliação com o atraso, evidentemente representado pela especificidade da formação econômica brasileira: sistema de exploração colonial, sustentado por um modo de produção escravista, forma particular do capitalismo como um sistema universal.
    Entre as particularidades da nossa formação destaca-se a figura do agregado. Sua importância reside no lugar que ocupa na estrutura social, uma posição intermediária entre o elemento servil e o trabalhador assalariado. Sua existência assinala a presença de uma categoria sem uma função precisa no interior da organização produtiva. A falta de precisão implica no engendramento de uma relação de dependência paternalista, capaz de dar corpo e vida a um contingente de seres divididos em tarefas correlatas: moleques de recados, capangas, comensais, domésticos, etc., todos, no fundo, seres deslocados, intrusos, destituídos de um espaço próprio, misto de animal doméstico, trabalhador de mil e uma utilidades e parente remoto.
    Quando é apontada a importância concedida na obra limabarretiana à figura excêntrica, torna-se necessário examinar a excentricidade não apenas na sua significação intrinsecamente literária, mas investigar que tipo de relações sociais expressa. A excentricidade, mais do que um traço de herói problemático, parece recobrir um universo coletivo. À falta de formas consistentes e eficazes de reversão da situação em que se encontram, os excluídos tendem a assinalar uma resistência desordenada e caótica através da construção de uma diferença que se faz no vazio, visando a quebrar o ordenamento burguês do mundo no terreno da individualidade.
    Tanto o excêntrico quanto o agregado constituem-se (isso quando não se fundem) em elementos marginais, cuja lateralidade expõe tensões entre mundos distintos. Isaías Caminha, tão deslocado quanto Policarpo Quaresma, é o romance do fracasso exemplar da meritocracia, a narrativa do apagamento de qualquer mudança de rumo. O mito da ascensão social por meio da arte desmonta-se com a transformação do êxito em conformismo e abdicação do vigor do caminho original.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Desencobrimento



























Gravar na eternidade
a graça
com que se desfaz
à luz de negligência e lentidão extremas
a linha reta
da alça direita do teu sutiã
de nuvens e cachos de uva pubescente
por trás dos quais
róseas aréolas amanhecem
o apocalipse.


quarta-feira, 17 de julho de 2013

Pantanal



















A capivara nada
cabeça fora d’água
na mira do pior predador.
Do tiro ao tempero do prato
um átimo.


terça-feira, 16 de julho de 2013

III Festa Literária do Campus Humaitá - 2013 - Colégio Pedro II


PROGRAMAÇÃO

FLUH 2013 – Há poesia
Homenageados: Vinicius de Moraes e Graciliano Ramos
Dia 15/08 – quinta-feira
Abertura – 10:30 – 11:00 – Apresentação da diretora Glória Vianna
Mesa 1 – 11:15 às 12:30 – Vinicius de Moraes, um poeta dentro da vida
Mesa 2 -14:30 às 16:00 – Olhares sobre Graciliano
Glória Vianna e equipes de História e Geografia
Mesa 3 – 18:15 às 20:00 – Poesia etc.
Dia 16/08 – sexta-feira
Mesa 1 – 8:30 às 10:00 – Vinicius e Graciliano para jovens leitores
Equipe de Português
Mesa 2 – 10:30 às 12:00 – A vida toda prosa
Mesa 3 – 14:30 às 16:00 - O desafio do público
Mesa 4 -16:30 às 18:00 – Entre prosa e poesia
Mesa 5 – 18:15 às 20:00 – Geração mimeógrafo: Homenagem a Paco Cac.
Eduardo Tornaghi e José Antônio Cavalcanti
Sessão de leitura interativa dirigida por Mariozinho Telles

sábado, 13 de julho de 2013

Vazante























Estela abriu a porta
do forno,
o bolo dentro
queimado.

Feliz aniversário,
Estela,
desejaram-lhe
quatro cadeiras
em branco.

Sim,
Estela,
os guardanapos
não são suficientes.




quinta-feira, 11 de julho de 2013

À beira-luz



















Quando caminhávamos
juntos
sem pisar em culpas
e a força do sol
queimava costas e nucas
e o mar
era um rebanho líquido
acalentando
barcos sem rumo
e o vento jogava os seus  cabelos
um palmo acima dos ombros
e as pedras,
sim as pedras diziam
infâmias à nossa deriva,
e parecia que talvez
nuvens listassem o céu
mais tarde
para que escrevêssemos
pequenas frases sem ritmo,
o fio da conversa
era o fulgor da alegria
que escorria como girafa cega
no seu sorriso tão solto
que inundava o mar.



terça-feira, 9 de julho de 2013

Rue de la Vieille Lanterne


























Um poema esgotou-se.
Pende de corda esticada em grade parisiense
o Cristo no Horto das Oliveiras.

Sujas de abismos
as fibras enroscadas em antigas
dissonâncias,
a corda, carinhosa
oferta da Quimera,
repousa agora
entre mirtos e sicômoros.

Algo vaza da cisterna do corpo
del desdichado
para lavar a rua deserta.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Três poemas em Mallarmargens

Picasso


Três rios de águas impuras contaminam Mallarmargens. Mais três poemas em Mallarmargens. Leia-os no link abaixo;

http://www.mallarmargens.com/2013/07/tres-poemas-de-jose-antonio-cavalcanti.html

A dama de cinzas

Klimt























Um círculo ao redor de fonte quase sem água.

Eis a morte.

Caninos de liquens de outras praias,
músculos e dentes de letras mortas.

Eis a morte atravessando a rua
com perfume de calma tempestade.

Vem com a jaqueta de Torquato Neto,
a camisa amarela de Maiakovski
manchada de tinta do jornal de ontem
à altura das axilas,
fiel ao seu estilo
a morte não se depila.
Olhos de Anne Sexton,
cabelos de Sylvia Plath,
vem num velho vestido
de Ana Cristina César.

Burocrata sonolenta
com pose de czarina,
eis a morte.

Traz brioches e cocaína,
a iguaria mais fina
para um banquete familiar
sobre as manchas vermelhas
de toalha xadrez.

Eis a morte.

Retira de vasta sacola
o chapéu de Sá-Carneiro,
os sapatos ainda molhados de Celan
há pouco pescados no rio.

Eis a morte na esquina,
seios de cinema,
pernas de tirar o fôlego
e uma urna de ossos.

Leva os olhos de Cesare Pavese,
lava o rosto de Serguei Essenin,
larga desarrumadas as malas
de Florbela Espanca e Virginia Woolf
em cima de um bueiro.

Eis a morte.

Traz uma garrafa de tequila
pela metade.
Coloca óculos rayban,
lê,
com falso interesse,
meu último poema.
Dá muita risada,
fala para as sombras nas paredes:
“Quanta bobagem!”

Eis a morte.

Traz tesoura
de Antero de Quental.
Recorta meticulosamente anúncio
de caderno de classificados,
guarda-o com vulgaridade obscena
sob o soutien.

Eis a morte.

Atravessa a rua.
Vira o rosto de delicado arroxeado
 mais uma vez
para arremessar-me um beijo
do outro lado da calçada.

Eis a morte.


Beco





















Todo beco
é um barco
sem ondas.

Preso
irremediavelmente
à ancora,
o coração de nuvens.


terça-feira, 2 de julho de 2013

Poemas do livro perdido - IX





















*

O caminho da experiência
não é mais a experiência do caminho
não há paradas
para trocas de bateria
ou mergulho
não há alívio
integral
a queda livre
no abismo
nada nos salva
da batida
acelerados
os caminhos
agora
(as margens migraram)
a fruição
entrega completa
a impérios
imperativos kantianos
teomercadologico
livro de exigências
aberto
em ritmo de insuportável
velo/voracidade
Ovídio, a experiência
não solda mais
o tempo (tempus edax rerum)  
perdida a cola
de nosso rosto


*