segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Surto


















A pressão
sobre
as presas
retidas
em garras-paredes
de páginas
milacrimogêneas
em grades
de titânio
o mundo em retículas

Eu dizia,
justamente,
a presssão
quando

BOOOOOM


Mar amarelo





Mar amarelo
cálice de licor amargo
rancor derramado


Dia perfeito




























Ontem me veio agora
comum e pleno,
dia perfeito
para se guardar o leito
como veio secreto
do ouro mais puro.

No peito, oásis no escuro,
o amor se reinventa fênix.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Soneto do enforcado





























(ataque)

Coloquemos a corda no pescoço,
quebremos logo a empáfia e os ossos
desse vil vagabundo inveterado;
num único poema mil pecados,
temas sujos, rimas desarrumadas
em decassílabos rasos, covardes,
n acordes do caos na cidade.

(defesa)

Preguem-me por tantos desregramentos
entre grafia, garrafa e gafieira,
cresci fora da área de controle,
dei rasteira em Herodes, mijei em Nero,
atirei em Hitler, bebi alambiques,
comi quem quis. Posso bater no peito
e gritar bem alto: morro feliz.


domingo, 17 de fevereiro de 2013

Porta





















A hégira
arrasta
túnicas e sandálias
por uma porta
sem chave de volta.

Sal em mãos de halomante
anuncia hecatombe
adiante,
na zona fantasma
das palavras.

Guardada em pen drives
a diáspora:
hiatos, manchas, lamentos.

Os ventos incineram nomes e pegadas
nas areias,
movediças figuras minúsculas
em colunas
mimetizam estrias no deserto.

A porta, um pêndulo;
o impacto de seu impulso
ímpeto sem pouso.

Arder,
ardor,
andar.



quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Crivo



Um acorde em si.
A corda em lá, sol. Aqui
silêncio sem dó.



Chamado





















Intervalo
onde pousam
aves palustres
em fios suspensos
nos pulsos.

Afluem
nuvens de falhas
da fenda onde
agulhas inserem
fogo
no movimento peristáltico,
o âmago do pântano

Atravessar
o bulício incubado
em lama perniciosa
acumulada
em camadas de sonhos

Do outro lado
da pausa
minha voz me espera



quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Crônica de maus costumes




























O grande conchavo
para
a entrega das chaves
do Papado.

Quem jogará os dados
no consórcio?

A religião é boa
para os negócios.

Alguém
disse ópio.

Mulheres podem rezar,
alcançar a santidade,
mas escrever o nome
do novo Pedro eleito
queima as mãos de Eva.



segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Armada


















Vou em navios
na névoa
cinérea.

A lua
afunda
em ondas escuras
chegadas
e quimeras.

Nau capitânia
em encapelado mar
azul-violeta,
vela mestra
fora do ar
saturnino,
apenas tempestade
& barris de rum
por radar.

Cento e um navios
a mil milhas
da ilha fantasma mais próxima.

Sísifos com asas
no mar de águas pesadas
levados por ventos alísios
contra a muralha do destino
e suas líquidas emboscadas.

Chegar pouco importa.
Vale ver os navios
do outro lado do fundo.



domingo, 10 de fevereiro de 2013

Múmias momescas





















A máfia
lava o dinheiro sujo.
O tráfico
lava riquezas ostentosas.
Os comerciais
lavam a roupa suja da tv.
Os cambistas
já lavaram turistas.
Os patrocinadores
lavam escolas de samba.
Os políticos
lavam os votos.
Os explorados
lavam a alma
com sabão barato.

A CEDAE informa:
faltará água quarta-feira,
não há vazão para tanta sujeira.




Beira-amor


























O amor
quase 
aconteceu.

Por um fio
do brilho
ao breu.



Singular plural



















Todo singular
é plural,
navio que em si
carrega
o caos,
frota recarregável
em cais
de ventos contrapostos.

Sem igual
apenas o  minimo lançado
em potência máxima.
O mesmo´
- maré e movimento -
sempre é outro
tempo.

Múltiplo
uno
ilimitado
navega
atravessando
os vidros partidos
de estreitos conceitos
e concepções
unitárias
entre mares
e falésias.

O rosto
ultrapassa
o calado
de qualquer amnésia,
tonelagem acima
o rastro
de muitos outros
no mesmo
barco.

Ser um
não é pouco,
em cada naufrágio
do corpo
uma cidade
afundada.



Quinteto em dó menor




I

Menina com vaso
em brasa. Quem virá à noite
irrigar a flor?

II

Extraia a ferida
da pele. Entregue a carne
ao amor em extremos.

III

Suspenda a saia
para mil dragões dançarem
tortas tatuagens.

IV

Um velho sabujo
sem faro, focinho sujo;
caçador no escuro.

V

Os corpos colados
nos degraus da madrugada
sacodem a lua.



Novo idioma





Cheguei muito tarde
ao seu nome. Inventar
outro alfabeto.



Fora do tom



























Um maestro
em seus melindres
tomba
a nota
fora 
do timbre.

A batuta
vira
estilingue.







A foliã



























Persegui uma foliã,
eufórico,
como Hércules
em luta contra Hidra,
no meio da multidão
contraída.

O bloco
prolongava o paraíso,
eu,
na contramão,
perdi o gás e o juízo.

A foliã,
soltando faíscas,
sumiu
na fotosfera.




sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Novos haicais


























I

Gosto de ver
a pulsação que se ouve
no teu decote em V.

II

Saudade secreta
a fragrância clandestina
de tua florescência.

III

Moça trigueira
mordisca maçã de intriga.
Ciúme gera frutos.

IV

Adeus à leveza
de palavra escrita à luz;
haicai nunca mais.


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Uns vão em frente, outros para o lado, alguns a lugar nenhum; há os que seguem para o alto, vistos por todos aqueles que param. Prefiro ir para o fundo.



























a.l

Nenhum livro irá me salvar
por isso lanço
o puro e o impuro
ao mar

a.ll

Em cestos gigantes
górgonas nas engrenagens
de horas gangrenadas
fazem água
para lavar poemas
com panos quentes

a.lll

descosturados
nexos
em epiderme
imantada
por ilhas em desmanche
soçobram
manchas na página
sem ondas

a.quatro

o puro e o impuro
em puçás
de anônimo pescador
é o que me basta





4 haicais

Trabalho do artista chileno Claudio Bravo





















I

Apara de luz
vaza na persiana aberta.
Lua dissoluta

II

Rua em escombros
você faz que não me vê
e sacode os ombros

III

O cravo e a rosa
porfiam. Aromas farpados
ferem a poesia

IV

Na casa em frente
ao meu abismo. Musa nua
uivando pra lua




quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Onze haicais


Pintura de Katsushika Hokusai (23/10/1760 - 10/05/1849)


















I

O mar, um mangá,
maremoto, águas velozes,
crapt


II

Casa de Bashõ;
bambu, poesia, palavras
e mais nada.


III


Planície sem nervos

a pele que você pisa,
pista de mil erros.

IV


Tempo sem portas

pouco se importa com perdas,
pássaro sem rota


V


Ideias profundas

em pequena poça d'água;
impostura à vista.

VI


Em tom de adaga

palavra em seda e cetim,
cal e agulha na carne

VII


Escamas de corpo

nascido para oceano
acenam às ondas

VIII


Acordei de sol,

caminhei de primavera,
dormi de estrela

IX


Núpcias siderais:

ainda não e nunca mais.
Amor em eclipse.

X


Linhas retas não

geram luas, vidas, galhos.
Os ovos são curvos.

XI


Carne sem contágio,

líquido e lasca à mostra;
perversão noturna.