quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Nova cartografia urbana

arame farpado, Preto e branco, arquitetura, branco, construção, Arranha-céu



Eis o progresso.
Reparem sua impostura,
as linhas da nova arquitetura,
funcionalidade
o conforto

para poucos.


(Este é o melhor dos mundos.)

Situações extremas

abalam
editoriais e urbanistas,
mas a repaginação
das ruas,
o reforço da vigilância,
os helicópteros acima dos guetos,
as tropas estelares da polícia
e a cerca navalhada dos muros
exibem requintes de perversão
nas capas de revistas 

de revirar o estômago.

(Ainda bem que os Estados Unidos

nos salvam de terroristas
e de nós mesmos.)

A suprema delícia,

a maravilha da nova desordem
mundial
nos projetos de capitalixos
negociantes de almas,
traficantes de luas e cidades.
A leitura que importa
- a lista dos dez vigaristas
mais ricos do planeta.

(Graças ao disque-denúncia

nos livramos
de todas as pessoas diferentes.)

Vendem-se em fascículos e

realities shows,
no mesmo pacote,
condomínios luxuosos
e zonas de extermínio,
clones,
drones
e drenagem cibernética.

(Felizmente a televisão,

labirinto do olvido,
imagem e semelhança de Deus.)

As cidades

amputadas em plantas
monetárias
morrem sufocadas
de necronegócios.


Haicai para Carlos Nelson Coutinho



 
















Era um sol aceso
ainda há pouco. Apagou-se.
O chão ficou cego.


A excelente Revista Germina Literatura traz, na edição de setembro, doze poemas de minha autoria.  Para acessar entre no link 

http://www.germinaliteratura.com.br/2012/jose_antonio_cavalcanti.htm.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Série "Não hai nem kai" II

























xv

Um fogo no céu
amarelo queima o azul,
a nudez dos corpos.


XVI

No muro pichado
preguiçosa lagartixa
espicha o rabo.

XVII

A flor da loucura
nasce daquelas palavras
na cova da boca.

XVIII

Modula o regato
mágica música líquida,
canção cristalina.

XIX

Chuva na cidade.
A água leva lixo e mágoa
nas ruas que lava.

XX

No cravo vermelho
notas de outro cravo ecoam,
teclas tocam pétalas.


XXI

Laelia purpurata,
asas rosas, pura púrpura
guardiã do ouro.


Paisá

















a corda
sempre arrebata
o lado mais frágil
do dia

minha sombra
enforcada
dança
na janela
da poesia

Gramática do fim do mundo

 
 
 
 
 
 
 
 
Gramática do fim do mundo I – 

Processos de deformação de palavras

Ex marido
Ex vira-lata
Ex mulher
Ex modelo

Ex – prefixo do tempo perdido, usado para etiquetar a coleção de despojos que largamos em nosso caminho. Introduzido em língua portuguesa por Marcel Proust.

Gramática do fim do mundo II

Antilógico
Antimatéria
Anticristo
Antissocial

Anti – prefixo de barricadas e enfrentamento, morfema radical de confronto. Linguisticamente o movimento que nos arremessa um contra o outro, meu amor. Introduzido em língua portuguesa por Friedrich Nietzsche.

Gramática do fim do mundo III

Introjetar
Intrometido
Introito
introvertido

Intro – Prefixo que assinala movimento para dentro, posição interior. Dizem os pseudoeruditos da Academia Mundial dos Malditos (minha maior referência no campo dos estudos linguísticos) que essa forma deriva do verbo doer. O “d” e o “o” iniciais do gerúndio teriam caído fulminados por um frenético colapso fonético provocado pela intensidade da dor quando, supostamente, caminhamos para dentro de nós mesmos. Alegam os célebres estudiosos que esse prefixo é uma fraude, dada à completa impossibilidade de comprovação da existência de um interior humano. Prefixo introduzido em língua portuguesa por Freud.
 
 

domingo, 16 de setembro de 2012

Invasão



         
      Para Walter Franco
 




Vou me invadir

agora
de fora para dentro
de dentro para fora.

Vou me invadir

sem pena
sem demora.
A minha memória
escuta
os meus passos lá fora.

Vou me invadir

a qualquer hora
antes
que eu fuja de mim
depois
que eu for embora.

sábado, 15 de setembro de 2012

Antifrases vagabundas





























α

Pele é onde o tempo digita a senha do inacessível.

β

Olhos flutuam unicórnios em esquinas mortas.

γ

Coxas acesas e deslizantes na balbúrdia de terrenos baldios sob lençóis de cambraia.

δ

Palavra interditada por sentença judicial inscrita em suas órbitas de vadia.

ε

Sou o cão da noite há nove luas algemado do outro lado da porta.

ζ

Na terceira gaveta do lado esquerdo do guarda-roupa dois seios se guardam para a chuva.

η

Navegação e naufrágio remam na mesma direção.

θ

O suicida falho descobre algo pior do que morte e vida.

ι

Não existe passado que não possa voltar para nos assombrar.

κ

Escombros e livros nunca cumprirão a promessa de construção.

λ

A Sociedade dos Eus Líricos Demenciais e Bêbados funciona na Rua da Página.

μ

Frase lapidar é o coroamento de cada lápide.

ν

Mcmorte, sanduíche de sangue, maionese e necrose.

ξ

Quando eu tiver juízo, viro um Kant.


ο



Facebook, faceboca, facebarba, facebigode.

π

Comigo a poesia ficou puta (depois que morrer, aprendo).

ρ

Govermes são górgonas gangrenadas a transformar o mundo em um inferno.

σ

Pensamento, pro fundo!


τ
 

Sou um tarado tangendo um alaúde.

υ

Sem o samba os velhos sobrados do centro do Rio de Janeiro desabavam.

φ

Intoxicado de suplementos, plenamente aditivado e pronto para o amor.

χ


Minhas pupilas me traíram, mas o prazer me condena.

ψ

Perceber é a pior forma de distração.

ω

O seguro morreu de verme.