segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Bagagem impura

Adriana Varejão



 
 
 
 
 
 
        
 
               "beber o extrato de ervas amargas
             mas não até o fim
             guardar por precaução
             algumas gotas para o porvir"
                      - Zbigniew Herbert -

Guardar o amargo,
a amargura, não.

Depurar o sangramento
com os filtros da memória
e um vigor contínuo,
além do limite dos alfabetos.

Incorporar o exercício
de cordas,
laços e nós
inextricáveis
como verbos viciados
envenenando a corrente sanguínea
até o último comando do corpo.

Um olhar impuro
há de separar
as partículas quânticas do insuportável
de frases feitas para matar.

Lenta conversão
proporcionalmente inversa ao apagamento instantâneo
de paisagens, pontes, sonhos
(ou daquilo que nomeamos realidade).

Guardar o amargo
como cartas na manga
para as manhãs de setembro.
A amargura, não;
excesso de carga cinzenta
tinge de mágoa a pele de qualquer caminho.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

HARPA & FARPA


Max Ernst




















        José Antônio Cavalcanti


Tempos desconexos,
acesso a caos e ocaso
pleno de cacos de casos ocos,
rasos & rasurados.
Ossos raros, olhos ralos;
os sonhos rolam para os ralos.

Tempos versáteis,
atléticos,
performáticos
– reles exibi$ionismo corpo & money,
dança de dragões graduados nas galés.
A galera apenas galeria de caetés,
afros, mestiços, excluídos e extermináveis,
rústicos rabiscos do rosto da ralé:
mar de anjos,
                      andrajos,
                                     marmanjos.

O som não explode corações.
A harmonia recolhe o balé da fantasia.
Um adágio pontilhado a bala
(estúpida estamparia de estampidos)
preenche a partitura de corpos desafinados
em campos de cravo, oboé e desova.
A tralha e a metralha,
a bala sem batalha
em lugar de alaúde e viola.

A causa podre do poder escorre
a baba, a gosma chula e vistosa:
polifonia de ócios e vícios,
policiais versões ofídico-oficiais.
Gangues grogues de fome e vitrinas
lambuzam a língua de facas e violinos
sob um sol de múmias em mímicas momescas:
excrescências em melífluas vossas excelências
enxameam o governo de vermes e vexames.


Perdemos o nome, passamos à listagem.
Nossos sonhos, agora magnéticos,
jazem enforcados em códigos de barra
exalando distância e distopia.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Périplo

René Magritte

























José Antônio Cavalcanti



Mãos na proa,
          na popa,
          nos pomos,
          na polpa.


No púlpito
mãos pulsam
entre pecados e impulsos.