sábado, 30 de junho de 2012

Prêmio OFF FLIP 2012




Amigos, saiu o resultado do Prêmio OFF FLIP 2012. Não ganhei o prêmio, mas fiquei entre os dez finalistas com o poema "Anjos". Ele será publicado na coletânea organizada pelo Selo OFF FLIP. Em comemoração, republico-o abaixo:

Anjos


                   “O último anjo derramou seu cálice no ar.” – Murilo Mendes


Não o da melancolia de Dürer,
olhos exilados de signos,
exausto de garimpar as sílabas
de um nome nunca revelado.

Não os prosaicos e suspensos
anjos de Chagall
descascando pecados
acima do chão da cozinha.

Muito menos o de Benjamin,
de costas para o futuro
num voo pesado e obscuro.

Sequer aquele caído nas sombras
de Drummond
em torta escrita de tropeços.

Nem a criatura terrível de Rilke
de asas lavadas em ira e arrogância,
escriba e vigia de nossa sangria.

Um anjo também me assombra
só para sangrar-me.
Anjo apóstata e herege,
corrói com suas asas de inseto
caminhos e projetos.
Examina com tédio e desânimo
os índices de pânico e de esperança
depois de devastar minhas reservas.
Intrigante e pérfido,
sussurra-me conselhos obscenos,
pragas,
impropérios.

Mostra-me o seio esquerdo
e me olha envenenado,
mensageiro sem mensagens,
desertor de Deus e do homem.

Em sua última passagem, mãos entrelaçadas
e seu corpo macio colado ao meu,
a dupla inscrição de pecados
nas placas e paredes da cidade.

Kha Lendário do náufrago amoroso


sexta-feira, 29 de junho de 2012

Desaparecidos




 mãe chora seu filho
d s p r c d
  pai chora seu filho
 d s p r c d
 num quartel
 onde foi visto sumido
onde estava há um ano
 sem nunca ter estado
   d s p r c d
 ninguém viu o corpo
que todos viram morto
   num quartel


Poema da década de 70.

MARGEM





Este poema foi publicada na Revista Escrita, acho que em 1976 ou 1977. Reencontrei-o no jornal estudantil Chegou a Hora, publicado pelo DCE-UERJ, em setembro de 1979. Ainda hoje me agrada bastamte.


MARGEM

descarregar os socos reprimidos no vidro
partido
esquinas perdidas na noite irrequieta
a ronda
no escuro por trás dos edifícios
me roda
os círculos de fogo na mente alimentam
versos
incêndios no meu cabelo se alastram
à epiderme
nada se perde tudo se inventa sempre
e quando
não há engano sem reconstrução há crentes
eternizando enigmas sinais e códigos
no tempo
a vida dança na sombra próxima ao poste
a ambulância
ajuda a distância do sonho às minhas veias
além do véu mudo
os terrenos estão cheios de latas e caixas
tudo escuro
repressão no distintivo nas leis na impotência
é tudo um muro
sonhos revoando os dentes de um vampiro
o sangue eterno
o seu suicida e constante derramamento
em defesa
do banquete dos bancos das baionetas dos brutos
não desfaleço
teço a trama cruel dos fogos cruzados nas barricadas
e pontes
broto no ar de fumaça das chaminés das fábricas
chupando
a energia e a coragem dos operários despidos
nos pratos
vazios nas roupas sem bens nem vinténs marginais
das favelas
desço ao ventre de ouro e prata e ateio veneno
às poças d’água
não me importa o pé chutando os meus colhões
nem o cheiro
de urina entrando quente na minha boca
destruída
descarrego tudo o que levo e não me pertence
entrego
o ódio e a muralha de insensatez devolvo aos pares
do reino
crio lutas sangrentas entre criaturas disformes
o embate
entre a chuva que cai e a fumaça ascendendo
dum baseado
estrelado verde rubro sem amarelo azul brinquedo
me encho
os bolsos de drogas poemas canções y revoluções
a lata de lixo
enche-se de leite enquanto mãe-mendiga dorme
mais seus filhos
no chão em que todos pisam e escarram sem distinção
confundindo
os marginais e o chão

BAIXADA FLUMINENSE

Ilustração: Estação de Comendador Soares (antiga Morro Agudo), município de Nova Iguaçu. Morei nesse lugar em 1965.

 
Quatro poemas que saíram na Revista Gandaia, nº4, abril-maio-junho, 1978, editada pelo poeta PACO CAC.


BAIXADA FLUMINENSE I

O corpo é o resto

- o lixo jogado num terreno baldio.


BAIXADA FLUMINENSE II


Chegar tarde é rabo.

O assalto à mão armada
desarma a pressa
e esvazia as panelas.


BAIXADA FLUMINENSE III


A geografia de varizes

forma o mapa de pernas
de mulheres embutidas na terra,
na poeira de esperanças engavetadas.


BAIXADA FLUMINENSE IV


Só quem morou em Morro Agudo

sabe que o morro é muito grave.

SONHO DE FORNO E FOGÃO




Este poema fez parte do livro Sopa & veneno, escrito por mim em 1976, que obteve menção honrosa no Concurso Nacional de Literatura promovida pela revista Escrita.


SONHO DE FORNO E FOGÃO

Maiakóvski surgiu numa noite esplend-rosa
e véio veio me pedir uma nota pruma boquinha
                              porra seu Maiakóvski os sovietes não te pagaram?
                                             já era meia-noite e Maiabrecht não estava
              pois se eu era o frade a benzer putas velhas
entoavam hinos sacros e lambiam o meu saco
         numa apoteose trópico-carnavalesca bem carioca
                                                   pois seu Bertoldo não tenho amigos
                todos se escafederam pelas fendas
                                 quando inventei uma cartilha conhecida

TODO  PODER  AO  FOGO

e pensavam que tivesse instintos anarquistas
                                ora bolas tudo não passava de uma questão culinária
sem as dimensões de numerosas questões
                                                     religiosas militares nordestinas
judaico-palestinas presos políticos menores abandonados
                                                      claro que todo poder ao fogo
é uma receita destinada aos bons gourmants
  na qual se coloca pimenta à vontade
                                              seu Maiakóvski não é que fiquei no Índex
        e os santos padres da Santíssima Inquisição
vieram condenar-me à fogueira
tão raivosos que nem esperaram São João
já falei pra eles mil vezes que não sou católico
puta merda pra que me queimar
                            se o tempero de vocês não combina com a minha carne?

sábado, 23 de junho de 2012

Intolerância



















Um colar de cóleras
em volta de palavras
enunciadas
em modo cinza:
sílabas fantasmas
escandidas como cercas,
celas,
cárceres.

De dedo em riste
apagam
traços,
sonegam
espaços exíguos,
geram
pânico,
súplica,
suplício.

Desertificar a palavra:
lançá-la como estigma
ou gás hediondo
sobre outras vozes
que sequer se juntaram
em um nome.


quinta-feira, 14 de junho de 2012

Turbulência






















Turbulência


A sombra de tuas palavras saturninas
instala
               em meu corpo
o hálito sedicioso
                               de ruínas.

Devolvo à lua áspera
as luminosas lanças do exílio:
instilo
             no âmago do abismo
o vírus da antidiáspora
 - conversão de fuga em fulgor.

domingo, 10 de junho de 2012

Minha série de poemas "Não hai nem kai" foi publicada na edição atual do Portal Cronópios. Agradeço conferirem e divulgarem.

sábado, 9 de junho de 2012

Revista Arraia PajéuBR


Lançamento em São Paulo, no dia 17 de julho, às oito da noite, no espaço da Funarte, da revista Arraia PajéurBR de número 4, editada por Carlos Emílio C. Lima, que tem muitos filhotes em seu bojo, incluindo a contologia e poemantologia na novíssima literatura brasileira contemporânea com autores selecionados  do portal Cronópios. Entre eles fui incluído com dois textos:  Hematoma e Invocabulus.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

CIDADE FIM SÉCULO VINTE





CIDADE FIM SÉCULO VINTE



I


cityado
o corpo no cerco
amarga a marca
selo na testa
festa nos pelos
fechada
por guardas/grades
a plena idade
a pélvis idade
porosa
goma / esponja
se espoja
calada / acuada
no beco
canoa encalhada
corpo fechado
o dito
interditado
fechado para obras
do prazer
: só as sobras



II


guarneço
luas com olhos suspensos
intacto
animal insulado na sombra
transito
entre o máximo e o mínimo
campos minados
de bares puteiros sobrados
sentinelas
dos rios-prazeres represados
mortos
em mares-de-mim inavegáveis
caminho
a cruz por todos os lados
capuzes
sessões secretas sob ogivas
dogmas
penalidades sanções excomunhão
reses
ao sol lambendo felicidade
e eu
contramão da unanimidade
visionário
ventríloquo/artesão de ima(r)gens
solto
animais aprisionados nos dentes
guilhotinando
nuvens de dúvida e medo
guia
extravio o rebanho submisso
devoro
as asas
na
invenção do voo


 
III

 
CIDADE
corpo neón & estrume
anônimos
artesãos sopram teu nome
e a dor nas esquinas
fábricas sem violinistas e bailarinas
parque de ruínas
as veias saltam órbitas solares
casas valas onde em depósito
os sonhos se acasalam
ímãs da morte meninos famintos
macabras jazz-bands tupiniquins
asas da miséria S.A.
manequins da miséria S.A.
CIDADE
noiterror do capital
cai em chuva de cicatrizes
 mil manchetes marrons anúncios sinistros
comícios noturnos
discursos clandestinos
aberto ao espelho pergunto
multidões-mendigas em missas de outros mundos
tropas tangidas em currais-avenidas
os sonhos tangenciam a aurora
CIDADE
tuas ruas tuas grades onde presos
apodrecemos teus pastos
CIDADE SÉCULO FIM VINTE
a corte dos parteiros do pânico
em tuas praças espalha a morte
(esperança apenas em tuas margens)


 
IV

 
pelas sete portas de mim
matilhas famintas de milênios
farejam carências
a carne aponta a lua
esquecida de marés & eclipses
a travessia da noite é surpresa
magia
paixão
encontro
por vezes distúrbios na fala
brados
bilhetes
trouxas
e um gosto de ferrugem na boca
crostas de ausência na pele
esperamar
galáxias do gozo sugam o sumo da insônia
guardam segredos nos dedos
traços mágicos
o desenho de carícias
no erro
pau
pedra
 guerra
raiva
daquilo que foi possível
e não houve
desesquecer a dor
estrelamar a carne o calor
a tatuagem nos olhos
o jogo de macho & fêmea
acesos
luzes
deuses



V

 
VILLE
negra caixa metálica
berço de abismos
jazigo
escavado por escravos
teus vigias
fantasmas enferrujados
viciosos fiscais
o sol
na rede de remendos
desalenta
roedores de rotina
espetam o céu de dúvidas
nimbos de bombas
cúmulos
o portátil poder das potências
o mundo
rima de doença
VILLE
o espanto não anula
o homem
armagedon geena juízo
é prenúncio de paraíso
não regido por deus
mas construção humana
o vento da história o barulho
das multidões famintas
: remoção do entulho



 VI


sitiado
em babilônia manhattan
algemado
a um eterno estado de símio
ensandeço
pregões do inferno
sousandradino
tempos saxônios de domínio
ora tornados Wall Street
Midas usura-moedas
bloco de embalo dos Silvérios
testas-de-ferro
canal conduto dos frutos afro-tupis
CIUDAD
inúteis instrumentos
as frias ferramentas
a inocente crueldade de tuas engrenagens
teus servis serviços de mucama
aos donos das dores e dos degredos
o arquitêxtil engenho da morte
bordado em ferro e vidro
as vigas podres dos que decidem
flores na praça
e a altura do horizonte
CIDADE
corre na tua desordem o correio
disseminando
decretos de medo & desconforto
a vigilância policial sobre as manhãs
no horto das mangueiras
teus criadores
nos músculos e nos ossos
padecem nas cruzes de vilas-cemitérios
cristãos primitivos
sambando nas catacumbas.


 VII


subúrbio
sabor de sobra
depósito de humanos
o ventre
da verme/cidade
passeio na arena
marionetes
expostas ao sol
subnutridos em maio
guloseimas
nas vitrinas crediários
fantasias em dó menor
ópera bufa
nos palácios dos senhores
doutores messias
palhaços salvadores do mundo
emporcalhando as estrelas
atrás dos muros de cristal
a periferia o declive
– sabor de mais-valia
bandido
& boia-fria –
feira
onde os homens
catam os pedaços
dos homens
cavernas-dormitórios de cromagnon
farsa moradia moranoite morra
bandos-manchetes
em folhas
tiroteios estupros linchamentos
os descalços
os desnudos
os desnadas
HARLEM-pária
BAIXADA-proletariado
imagens à margem
imersão abissal no espanto
imaginação zero
maquinação zero
zero



VIII


cityado
o corpo no cerco
apaga a marca
afago na testa
festa nos pelos
aberta
por passos/pássaros
a plena idade
a pélvis idade
porosa
goma / esponja
se despoja
alada / ousada
na praça
canoa encantada
alma liberada
o dito
coletivizado
inauguração das obras
do prazer
: todas as formas


(1983)