sábado, 28 de maio de 2011

O EXTERMINADOR DE ILHAS

René Magritte
   

José Antônio Cavalcanti





Ele vem antes do dilúvio,

cigarro e uísque em equilíbrio.

Diz “imperiosa reconfiguração”,

e mais “uma nova perspectiva”,

para acrescentar, exausto,

“um projeto para o século XXI”.



Carrega cidades nas costas,

mede distâncias e cargas,

olha à direita e à esquerda.

O olhar insone insiste:

“Precisamos fazer uma limpeza,

isso aqui está uma bagunça”.



Bela a camisa estampada ao vento

que insufla latitudes e meridianos

aos cabelos tingidos de espanto.

Belos seus pensamentos a barlavento:

supressão de pousos,

poda de portos e primaveras,

previsibilidade dos percursos.

Bela a luminosidade das palavras,

apesar de algumas lâmpadas queimadas:

priorizar, reciclar, operacionalizar, otimizar...



Gosto do seu olhar oceânico

a descerrar manhã e horizonte;

pura potência, puro encantamento,

a conversão de almas em moedas.



Na madrugada da última ilha antes de Ítaca,

esguio como um gato no tombadilho,

arremesso a humana maravilha ao mar.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

SUICÍDIOS EXEMPLARES



SUICÍDIOS EXEMPLARES, de Enrique Vila-Matas

É muito extensa a lista de autores que recorreram ao suicídio. Na literatura portuguesa, o gesto radical silenciou Camilo Castelo Branco, Antero de Quental, Florbela Espanca, Mário de Sá-Carneiro, entre outros. No Brasil, me recordo de Ana Cristina César e Torquato Neto. Em outras latitudes, foi o ponto final de Jack London, Virgínia Woolf,  Hemingway,  Stefan Zweig, Sylvia Plath,  Cesare Pavese, Hart Crane, Virginia Woolf,  Romain Gary, Ernest Hemingway, Jack London, Sylvia Plath,  Paul Celan, Serguei  Essenin, Vladimir Maiakóvski, Primo Levi, Paul Nizan, enfim, uma galeria impressionante de nomes ilustres. 

A morte, qualquer que seja a forma de sua presença, parece inscrita no próprio código da criação, talvez sirva mesmo para legitimar a arte como o movimento de fuga ao inexorável limite humano, uma desesperada escrita que tenta uma permanência negada pela dissolução promovida pelo tempo e suas duas sombras inseparáveis: a mudança e o esquecimento.

O suicídio é seguramente uma forma de grande complexidade. Uma afronta à onipotência da morte, um desafio à autonomia que ela revela ao exercer um domínio impiedoso  sobre nós. O gesto extremo redunda de uma escolha ou, paradoxalmente, da própria impossibilidade de caminhos. Podemos entender a referência artaudiana à morte de Van Gogh, “suicidado pela sociedade”.  Em qualquer caso, matar-se é manifestar o desejo de descontinuidade, um salto equivalente à geração da vida, ou seja, a anticriação, a radicalidade da criação como forma suprema da negatividade. Caminho de fuga que podemos trilhar de modo autônomo, como quem busca um beijo e um abraço, ou impelidos por forças superiores à nossa capacidade de resistência. De qualquer maneira, abreviamos a jornada rumo a um encontro obrigatório.

A morte só existe como linguagem. Acho que Heidegger disse isso ao escrever que “só os mortais podem ter a experiência da morte como morte”. Não me preocupo em buscar significado para algo que me assombra. Nem quero aqui aprofundar um pensamento que fere e sangra de tão incômodo. Permaneço no impasse apontado por Heidegger: “A relação essencial entre morte e linguagem surge como um relâmpago, mas permanece impensada”.

Para Vila-Matas os suicídios exemplares são aqueles impossíveis, indefinidamente adiados, como observou com precisão o escritor argentino Alan Pauls na apresentação do livro, para quem o autor de O mal de Montano é “um hábil fabulador de ‘pulsões negativas’ (deixar de escrever, desaparecer, não ser ninguém)” e a reflexão sobre a morte ao longo do texto não implica desistência, derrota, antes “é um princípio de potência: algo na vida range, se abre e começa a ser possível – algo desconhecido, que até então não tinha rosto nem forma, e que agora, de repente, parece exercer uma sedução irresistível – quando alguma das criaturas que povoam estas páginas se deixam possuir pela ideia de se matar”.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Estou na revista CULT que está nas bancas (nº 157).