sábado, 25 de fevereiro de 2012

Série "Não hai nem kai"


























Não hai nem kai 



I

 
A letra h cai;
onda muda do verão
apaga o som da água.




II

Bem-te-vi pousado
no telhado azul da tarde
alta, pura hipnose.




III

Calor e formigas.
Colar no círculo escuro
cantos de água clara.




IV


As folhas em breve
asas saídas de árvores
abrirão o outono.



V


Em ocaso fúcsia
o dia se despe do azul.
Lanternas noturnas.



VI


Mil máscaras mortas,
som e fantasias sepultas,
sonhos, sombras, cinzas.



VII

Rasura nas nuvens
o sol. Um sorriso imenso
lava-se na chuva.





VIII

Peixe morto espia
copos, pratos, mudo espanto.
Mesa da miséria.



IX

 

À beira de um rio
a  água avisa às rugas:
som de sal e foz.

 

X


Como sem as asas
riscar no papel azul
o salto no caos?

 

XI


Gatos algemados.
Salas ou jaulas urbanas.
Convívio de extremos.



XII


A cobra sob juncos
e a malícia sem remorso
revolvem-se em vão.



XIII


Gérbera, glicínia.
Nome e  perfume de Deus
moram em qual flor?



XIV


Árvores cortadas,
ferrugem em galhos verdes.
Cavar o deserto.

 

XV


Vento nas paredes,
no rebanho, nas colinas.
Bombas sobre aldeias.

 

XVI


Tecnozumbis pousam
mouse e maletas vazias
como suas cabeças.



XVII


Mais-valia, valises,
cuecas, aviões, Suíças:
país ou deserto?

 

XVIII


A noite, ao abrir-se,
é rascunho de pecados,
móvel  cicatriz.



XIX


Ondas, ondas, ondas.
O surf lava a alma na prancha.
O mundo, um balé.

 

XX


Sou mar e carvão.
A lua chora no meu ombro,
as ondas também.



XXI


A última palavra
poderá ser a primeira
letra do deserto.

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