a.4
capas de discos de
vinil ainda no chão sacados à noite lançados como discos-voadores negros pela
janela arremessos portentosos repletos de álcool era lindo de se ver a heroica
de Beethoven voar Karajan abaixo Mussorgski pictures at
an exhibition supersônico no ar noturno espatifar-se Chopin
prelúdios para piano na madrugada morta Parsifal wagneriano a lança na ferida
de Amfortas quebrada em queda livre naquele momento era impossível saber que o
santo graal subiria escadas coberto parcialmente por rodas de bicicleta
provavelmente roubada o corpo todo era o cálice profanado o cálice que beberia
os lábios devoraria o viço da carne em tensão máxima o desejo quase tocando o forro
de madeira do teto sobre vinil intacto de Nora Ney um poema guardava momento
anterior à loucura que trouxera a polícia à porta no meio da noite versos
truncados incompletos incapazes de poesia ensaiavam última estrofe: “acordam na
ópera acordes inaudíveis / neles a massa sonora se desmancha / para que a voz
ressoe solo e vírus / na ária, lacerada a carne gangrenada / a garganta os
pulmões os ossos / no chão sem sinal de harmonia” rasura premonitória da
impossibilidade de coro
Nenhum comentário:
Postar um comentário