terça-feira, 4 de outubro de 2011

FORTUNA BEATRIZ MUNDI

Beatriz Milhazes não existe, é miragem. Soube que uma mulher atende por esse nome, grava entrevistas, dá depoimento, inaugura exposições. Isso não é possível. Contraria as leis da física, a teoria quântica, a geometria e a metafísica. Beatriz Milhazes foi sequestrada pelo governo norte-americano para investigações sobre alienígenas. Dizem que é um programa da Nasa para criar zumbis como eu, mesmerizado, siderado, ligado às suas telas como lanternas acesas da noite do século XXI. Daí não consegui fazer um poema para a minha intergalática musa, mas segue esse samba-encantamento em sua homenagem.


























FORTUNA BEATRIZ MUNDI


                          José Antônio Cavalcanti


I.

Movo-me entre miragens?
As cores com sabor de samba
em explosões Sapucaí?
Solar desfile biopictórico.
de sistemas insondáveis:
flores ou outros mundos
em telas estreladas?








 


















II.

Fazer o outro feliz
nos fios e filamentos
em fuga de pincéis
para olhares alheios.
Sonhos Beatriz
para Dantes em travessia.







 














III.

Colagens circulares
cercam olhos desertos.
É na retina,
lago de imagens inermes,
que luz e cor
sob forma de flor e lua
profanam a tela triste dos dias.







 














IV.

Quando pintar é doar-se,
reger orquestra de orquídeas
em fissuras,
reinar sob rascunhos e rasuras
mirando o ovo vazio
à procura de suculento abismo,
no risco de encarar as tintas
do nihilismo
e gerar alegria na cidade.









 







V.

A impropriedade dos círculos
é que disputam ao olhar o
movimento de leitura de almas.
Somos tomados
pelas formas redondas,
invadidos, devassados,
virados pelo avesso.
No final, imantizados por entretons e tonalidades
na pauta pincelada de hipnótica música plástica,
a exposição é toda nossa.








 












VI.

Tropicolor,
Tropicaos,
Tropicarioca.
Exuberância de passista
fantasiada de Matisse;
pinceladas são passes e cálculo,
geomentiras giroverdades.
Saldo da obra:
tensão entre incessância barroca
e rigor construtivista.




























VII.

Da monotipia
a mundos plurais.
Planos indeterminados
levam as formas a contínuos deslocamentos
ou somos nós que nos deslocamos
ao contemplá-las?
Bordado de Penélope,
o tempo circular anuncia o regresso
do humano ao humano.







 













VIII.

Cabeça de mulher.
planeta
ou óvulo,
tudo circunferências
em que se guardam mundos.
Espesso espaço de pensamentos vastos,
Campo magnético desconhecido
de tons ainda não inventados:
amarelo-fulgor, azul-imperatriz, verde-redondo.






 















IX.

Giramundo
giravisão
girândola
geomotivos em constelações
hegemonia do múltiplo
a cromodiversidade da alegria
do viver carioca
na espacial dimensão humana
de perspectivas que escapam
a cálculo e controle.
























X.

Mandalas,
qual mago, monge ou mandarim
desenharia destinos florais
em vestidos ou tapetes de cortesãs?
Em que escola de samba
uma ala se abriria
para abolir a tinta escura
sobre a esfera oculta dos dias?


























XI.

Os círculos ausentes
são astros inscritos em órbitas impossíveis.
Seus movimentos
proveem as lacunas de águas misteriosas,
alimentam-nas de palavras incompreensíveis.
O que não veio
é o que está no centro,
o mais-para-dentro,
o secreto.
O círculo ausente não é o deserto,
pois os desertos são escritos e abertos.
Só o mais denso em nós se revela em silêncio
e em silêncio nos escapa.







 














XII.

Arcos sobre arcos
vão além do ornamento:
aportam no requinte.
Abundância barroca
costurada pelo rigor Milhazes.
Película, plástico, papel:
dinâmica da cor em velocidade.
Rodas em movimento na tela.





















XIII.

Disco de múltiplas camadas,
de era indeterminada.
Seu tempo foi amanhã
(se houver),
é ontem
e será hoje.
Babélico floral humano:
se a Beleza não resiste ao tempo
também não existe tempo sem Beleza.
A flor, então, é viço para sempre.








 











XIV.

Anel,
arco,
aro,
bola,
roda,
disco,
círculo,
circunferência,
flores, floreios, florilégios,
sacros, profanos, sacrilégios
Arquitextura Milhazes:
“tu és pólen e ao pólen voltarás”.






















XV.

Périplo do pigmento,
galáxia floral,
pintura corrosiva,
veneno antitédio antitristeza.
Limpo os meus olhos
de tantos detritos ao ver-te,
reinauguro a possibilidade
do olhar como forma de invenção.
O olho não apenas cópia,
tradução,
filtro da realidade,
mas o círculo mágico da criação.






 



















XVI.

Em que esferas nós vivemos?
Em que esferas nós dançamos?
Que sejam próximas ao mundo Milhazes,
esferas plenas de gáudio e poesia,
esferas a caminho do aberto e do impossível,
esferas de fantasias e de alegorias carnavalescas;
rodas rodas rodas de bambas
como a mais pura roda de samba.


Rio de Janeiro, 11/11/2009

Um comentário:

  1. Esses programas existem? Você e ela são zumbis?

    Coloca esse tema no carnaval. Dará um belo samba-enredo.Só não sei se vão entender, mas se houver uma propaganda sobre a MUSA, o povo vai adorar. Sério!

    Beijos

    Mirze

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