Melancolia I, Dürer |
José Antônio Cavalcanti
“O último anjo derramou seu cálice no ar.” – Murilo Mendes
Não o da melancolia de Dürer,
olhos exilados de signos,
exausto de garimpar as sílabas
de um nome nunca revelado.
Não os prosaicos e suspensos
anjos de Chagall
descascando pecados
sob o chão da cozinha.
Muito menos o de Benjamin,
de costas para o futuro
num voo pesado e obscuro.
Sequer aquele caído nas sombras
de Drummond
em torta escrita de tropeços.
Nem a criatura terrível de Rilke
de asas lavadas em ira e arrogância,
escriba e vigia de nossa sangria.
Um anjo também me assombra
só para sangrar-me.
Anjo apóstata e herege,
corrói com suas asas de inseto
caminhos e projetos.
Examina com tédio e desânimo
os índices de pânico e de esperança
depois de devastar as reservas.
Intrigante e pérfido,
sussurra-me conselhos obscenos,
pragas,
impropérios.
Mostra-me o seio esquerdo
e me olha envenenado,
mensageiro sem mensagens,
desertor de Deus e do homem.
Em sua última passagem, mãos entrelaçadas
e seu corpo macio colado ao meu,
a dupla inscrição de pecados
nas placas e paredes da cidade.
muito bom! abraço.
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