Poema: José Antônio Cavalcanti
Ilustrações: Rony Bellinho
α
Mãos desirmanadas entre infelizes
olhares, entre substâncias e acidentes
aristotélicos, bebuns em bandos;
dizer de vozes a se cortar com navalhas e sílabas,
dizer de pedintes penitentes,
dizer de olhos injetados de paraísos.
Poetas e párias desrimam escrita e assepsia
voam contra vanguardas e ventos
nos sambas suntuosos de velhos malandros,
agora fantasmas varrendo silêncio.
Nem de Antíloco nem de Madame Satã
nem de heraclitiano ou homérico dizer
o devir entre mesas e cadeiras,
no chão, a caminho do ralo.
Sombras assentadas em infames
panos poentos
(por baixo dos quais
insones defuntos anacreônticos
libam nostálgico sabor de boêmia)
desfilam indiferença olímpica;
hedonismo e catatonia,
o código de barras da classe média
em sua forma líquida.
β
Surgem os seres-do-fim-dos-tempos;
saem de tocas, antros, esconderijos,
de covas, talvez, ou de cisternas
clandestinas, jardins demoníacos,
fáb
ricas de misérias.
A noite é víscera exposta,
intestinos nas calçadas,
insólito animal sangrento
a exibir, alucinado e repetitivo,
seus mais sujos dentros,
a mecânica macabra da vida
- gangrena guardada em rugas.
Ω
As ruas então em festa:
códigos, circuitos, câmaras de vigilância,
verbiequívocovisuais controles anêmicos
acadêmicos políticos policiais
- o mundo oficial -
alimentam as hienas noturnas;
o capital contabiliza todos os excessos,
a mais-valia compra corpos e felicidade
plastificada, no cartão ou no paraíso.
A escória
- resíduo do humano liquefeito -
escorre de guetos, górgonas e esgotos,
invisível licor a invadir becos e portas secretas
contido apenas por gps e algemas.
Negra beleza bailarina nas calçadas,
grafita de vermelho muros e asfalto
antes da travessia irrevogável.
Invisíveis da mais espessa invisibilidade,
figuras goyescas lançam rajadas e granadas
contra as estrelas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário