quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Estudo para futuro romance



Tangências – pequenos desgarrados que amassamos tanto o mesmo barro.

Artur. Claro, nome falso. Para nós o Tatu, por razões que não me lembro. Melhor talvez fosse Touro, aquele corpaço hipopótamo. Sempre as mãos no lixo, os olhos revirando fundo restos, frutas estragadas, pães mofados, sonhos fora do prazo de validade, côdeas de desamparo. A família, sempre um câncer no calendário de visitas. Um dia, um muro, nunca mais o Tatu roendo ossos.

Moreira. Cobrir. Firme. Descansar. A santa trindade da obediência deixava marcas em seu pescoço branco avermelhado. Tanta disciplina precisava de estocadas no braço, olhos arroxeados, galos na testa, joelhos no milho. Dia houve em que uma surra de fio ensandeceria a escola, centenas de meninos alucinados tentando linchar o marinheiro mascarado de inspetor após expulsão da Marinha.

Gláucio. De Copacabana para nosso espanto, nós de Gramacho Vigário Geral Parada Angélica Engenheiro Pedreira Ricardo de Albuquerque Pavuna e adjacências. Filho de gravuras dos livros de História, já nascera com punhal nos olhos e com esperança ulcerada. Podíamos ver as pedras que guardava nos olhos, a pele cor de ressentimento, os cabelos de pregos e cacos de vidro. Aproximar-se era convite a duelo. Como num conto de Aníbal Machado, o menino-guerreiro sumiu no vento.

Papai Noel. Menino-bibelô largado sem babás no deserto. Olhinhos verdes em meio a tantos olhos famintos. Coxas de menina. Corpo agoniado por se saber em pesados sonhos infanto-juvenis. O postal de miss na hora da punheta. Dentes mais luminosos do que o sol, uma alegria misteriosa, inexplicável que o protegia de todo o mal ao redor.


Cocada. Anos sem visita. As férias só não o mantinham em solitária por causa de tantos outros largados como ele. Nosso líder na abertura de cadeados, assaltos à despensa, comida extra. O chefe da nossa gangue logo desgarrado em voo solo. Carteiras alheias em mãos frágeis, bolsas estudadas com método e rigor, objetos valiosos recolhidos para análise. Expulso com toda a pompa: a escola perfilada para exemplo e dor.


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