As casas de fado nas ruazinhas e vielas da Alfama, na volta da subida ao Castelo de São Jorge, entoam canções
marítimas que se agarram aos meus passos. Ao léu pelos bares e cafés boêmios do Bairro Alto, mesmo diante do mercado
municipal, após idas e vindas entre as ruas de D. Pedro V, de São Pedro de Alcântara, da Rosa, do Conde de Soure, da Atalaia, como fantasmas sonoros as músicas ainda tomam a minha alma toda de assalto. Depois da noite plena e insone, fugi do roteiro turístico de dez prestações e vaguei por Restelo, Baixa, Liberdade. Parada obrigatória no Brasileira, café famoso no elegante Chiado, bairro onde Fernando Pessoa permanece sentado, alheio ao progresso. Evitei livrarias para não suprimir a cidade dos meus olhos. Em visita ao Museu Nacional do Azulejo, no dia posterior ao deslumbramento produzido pelo monumental Mosteiro dos Jerônimos, herança da grandeza perdida, fruto do cristianismo e do expansionismo luso, onde repousam os restos de Camões. Aliás, guardo do mosteiro o sabor dos pastéis de Belém depois da longa fila na Fábrica dos Pastéis de Belém, todos de olho na Oficina do Segredo. Depois, incursões ao Museu do Traje e ao Museu dos Coches. Rápida passagem pelo Oceanário, pela imponente Sé, antes do passeio nostálgico à
Torre de Belém, graciosa fortaleza em miniatura. Sem tempo para apreciar a paisagem vista do teleférico, cansado e sonolento para guardar a rápida visão noturna da Estação do Oriente, retorno à colmeia. Manhã apressada me levou ao Largo do Rossio, entro na Rua do Carmo, olho tudo, mas não compro nada. Perambulo pelo metrô: Baixa/Chiado, Rossio, Martim Moniz, Intendente, Anjos, Arroios, Alameda, e volto. Dia sem compromissos, melhor então é comer sardinha no Peniche. Já havia me encantado a bordo do bonde 28 e seu percurso mágico. Antes
de pensar nas malas, um tremor. Alguém está em todas as ladeiras. Percebo,
entre cafés e azulejos, Cesário Verde recitando o poema “Num bairro moderno”. A
voz baixinha, que só eu escuto, cria um corpo humano imaginário, construído com
frutas, legumes e hortaliças, à semelhança do que realizou, embora com mais
estranheza, Arcimboldo na pintura. Cesário Verde renovou temas e incorporou à
poesia as falas das ruas de Lisboa. Além disso, o forte sentimento do concreto,
a metalinguagem, a ironia cortante, a perda da aura da figura do poeta e o
intenso apelo visual conferem aos seus poemas uma acentuada modernidade. No
começo não compreendi a sua interferência na paisagem. Depois lembrei a
ausência inscrita na minha origem, então sorri com serenidade. Sob o sol de
Lisboa jaz intacta a rua inaugural da minha existência. Meu pai, o oceano.
Texto belíssimo, viajei à Lisboa novamente! Deu-me saudades de quando lá estive. Nem todos os recantos aqui descritos tive o prazer de visitar, mas cá estou imaginando-me ao retornar não deixar de ir. Lisboa nos encanta! Seu texto encantou-me igualmente.
ResponderExcluirAbraços!
Denise
Muito interessante esse texto, pois através dessa detalhada descrição tive a vontade de viajar para Lisboa. De fato, faz com que o leitor se sinta nas ruas portuguesas.
ResponderExcluirParabéns professor! Adriele Pereira (CP II - SCIII Turma:2306)